Carlos Alberto Lopes

domingo, junho 24

A PRIMEIRA MISSA

O menino partira, de perto de seus pais, aos doze anos, levado pelo Sacerdote, que resolvera fazer de seu coroinha mais fiel, o seu sucessor.
Arrumara a matrícula do garoto no Seminário, e todos os meses, mandava-lhe notícias de Seu Juca e Dona Ester, pais do noviço, gente humilde, que se sustentava com a venda do trabalho braçal de Seu Juca, como meeiro de Manoel Paranhos, o proprietário da terra e padrinho do menino, que todo orgulhoso, espalhava aos quatro ventos, que brevemente, seu afilhado seria Bispo, se não conseguisse ser Papa, já que em Roma seu prestígio de Coronel era pouco.
Mas Bispo, batia o pé que conseguiria fazer do garoto, nem que para tanto, tivesse que "queimar" alguns cartuchos na política da Capital...
_"O filho do Juca vai ser Bispo, sim senhor!"
O Seu Juca, o pai, pouco falava sobre o assunto. E só concordara com o Seu Vigário, porque Dona Ester lhe pediu muito, e não negava nada a sua esposa.
Ele era "espírita de carteirinha", com cadeira cativa no Terreiro de Pai-Ogum, e não se sentia muito bem com aquela história toda, ainda mais com a conversa do Coronel, espalhando aos quatro ventos, que o menino ia virar Bispo...
Já estava fazendo dez anos, que o menino deixara a Vila, com aquela conversa de ser Padre, e Seu Juca, nunca mais o vira...
Naqueles dez anos, sujeitou-se a trabalhar feito mula, para que Dona Ester, pudesse comprar à prestação no Turco, os paramentos e as batinas necessárias para que o filho realizasse sua Primeira Missa, que segundo o Seu Vigário, iria acontecer no próximo domingo, às dez horas, com a presença do Bispo, do Senhor Prefeito, do Seu Coronel, e todos os padres das Paróquias da redondeza, segundo mandava os tais dos "rituais", coisa que Seu Juca, não entendia muito bem mas, "se era o gosto de Ester, vá lá... que se compre os tais Paramentos... e as tais batinas... e que se realiza o "ritual..."
Que Ester mande fazer seu vestido bordado, na Mariquinha Costureira... Ele, o velho Juca, vai à missa com o terno de sempre...
Só para seu "desencargo de consciência", pedira a Pai -Ogum para jogar os Búzios para o rapaz, e o santo ditara:
_"O menino será feliz, e que o pai conforme-se, e apoi-o, se puder..."
O domingo chegou...
Às oito, chegou o rapaz, em carro especial do Bispado, e trancou-se na Casa Paroquial...
_"Nem sequer foi dar um beijo na mãe, o ingrato!" - Pensou com seus botões, Seu Juca...
Às oito e quarenta, chegava ao casebre de Seu Juca e Dona Ester, um "Padreco" desconhecido, dizendo-se representante Oficial do Bispado, e ali estava, por ordens do Senhor Bispo, para orientá-los e leva-los à missa.
Seu Juca olhou o relógio, fez as contas, e respondeu:
_"Óia, Seu Padre, a cadêra taí... O Sinhô senta, e ispera, inquanto eu vô dá mio prás galinha e lavage prus porco... A Ester, vai sirvi um cafezim pro Padre!... É gostoso, pruque nóis adoça cum rapadura. O Sinhô fique à vontade, viu?!"- e saiu...
Dona Ester serviu o café ao "Padreco", e "entrou na prosa", contando para o Padre, quase toda a história do filho. Às nove e meia, Dona Ester entrou para se arrumar, colocando o vestido negro, bordado na gola, nas mangas e na barra, vestimenta que a renovava uns vinte anos...
Seu Juca, após lavar os pés em uma bacia de alumínio, entrou também para o quarto, deixando ao "Padreco" como companhia, a velha Maricota, uma galinha caipira, orgulho de Seu Juca, que Dona Ester ameaçava transformar em canja todo domingo.
Às nove e cinquenta, saiu do quarto o casal...
Seu Juca, com terno negro, gravata preta e camisa branca, com punhos e gola engomados, além do cabelo muito bem penteado para traz, e a barba perfeitamente escanhoada, estava irreconhecível...
Em companhia do "Padreco", deixaram o casebre...
Quando o casal entrou na Igreja, lá encontrou toda a cidade, espalhada pelos bancos. Até Pai-de-Ogum , lá estava, com seu terno de linho branco, e camisa da mesma cor, tendo como campainha sua esposa, e como gravata, suas "guias de santo", além das filhas de seu terreiro, todas ricamente vestidas com os paramentos de seus respectivos "santos de Cabeça"...
O Coronel, também lá estava, com sua esposa e filhos, todos com a roupa de domingo, muito bem vestidos, por sinal...
Ao canto na nave, Seu Juca avistou a turma do Truco, seus amigos do "Buteco do Juarez", todos inacreditavelmente sóbrios, acompanhados por suas "elegantes" esposas...
Ao fundo da nave, foi Dona Ester que viu "Maria Pouca Roupa" e suas meninas, e pensou: - "Não é lugar pr'essas decaídas!" - Mas quando ia reclamar com Seu Juca, ele a chamou para sentar-se no lugar a eles reservado, no primeiro banco.
Sentaram-se, tendo ao seu lado o Senhor Prefeito, sua esposa e a única filha do casal, com seus dezoito anos, ainda solteira e descompromissada...
Dizem as más línguas, que a moça é tão virgem como no dia em que nasceu, pelas mãos de Dona Violeta, a parteira, "única autoridade médica" daquele fim de mundo, como diria o Justino, o Farmacêutico, sentado ao lado de Dona Violeta, dois bancos atrás de Seu Juca...
Lá também estavam todos os filhos do Terreiro de Pai-Ogum, por força do convite que lhes levara o Representante do Bispado, quem nunca mais esqueceria, o vexame de ter que entrar num "terreiro de macumba", só por causa dos caprichos de um jovem Padre, que fazia questão da presença de todos os seus amigos, sem distinção de raça, cor ou religião, isto sem falar na ideologia, pois o Farmacêutico, Seu Justino, era "Comunista"...
Todos em seus devidos lugares, o Órgão da pequena Igreja se fez escutar. E teve início, aquela que seria a Primeira Missa do menino, que um dia fôra Coroinha, naquele mesmo altar...
Seu Juca e Dona Ester, com os olhos rasos d'água pela emoção, viram, depois de dez longos anos, seu menino saindo da Sacristia, e subindo os três pequenos degraus que levavam ao altar...
Se tornara um homem!
Tornara-se robusto, forte, porte atlético, rosto fino, barba comprida e bem aparara...
Dona Ester, ao vê-lo usando os paramentos que comprara no Turco, e ainda não acabara de pagar, sentiu uma lágrima molhar-lhe o rosto...
"Maria Pouca Roupa", ao ver tal figura, puxou uma de suas meninas pelo braço, e sentenciou-lhe ao ouvido:
_"Que disperdício de homem!!!"
O Coronel, também puxando sua esposa pelo braço, disse-lhe:
_"Será nosso Bispo, não tenha dúvidas!!!"
A parteira, com os olhos úmidos, virou-se para o Farmacêutico, e falou:
_ "Nasceu raquítico... Olha só no que se tornou!"
Na hora da comunhão, o jovem padre desceu do altar, ajoelhou-se aos pés da mãe, e lhe disse:
_"Mãe, dá-me sua benção!"
Dona Ester, profundamente emocionada, beijou a testa do filho, que logo depois levantou-se, e estendendo a mão, cumprimentou o pai, dando-lhe um grande abraço.
Seu Juca sentiu então, uma lágrima correr-lhe a face, e disse-lhe baixinho:
_"Deus te abençoe, filho meu!"
O rapaz, quando voltou ao altar, trazia os olhos marejados, e duas lágrimas, lhe molhavam as barbas...
Ao fim da missa, o Bispo anunciou:
_"Minhas senhoras e meus senhores, caríssimos paroquianos, de amanhã, em diante, sua paróquia ganha novo Sacerdote: o Padre Joaquim Bernardo, filho da terra e amigo de vocês. Aos seus pais, os meus mais profundos respeitos, e ao jovem Sacerdote, minhas bênçãos pessoais e o meu desejo sincero, de que tenha de Deus, a ajuda para sua missão!"
Foram quatro dias e quatro noites de festa...
O Prefeito, decretou feriado municipal...
O Coronel mandou matar oito bois, dois por dia...
A parte líquida da festa, correu por conta do "Buteco do Juarez", pagamento feito pela "Turma do Truco"...
"Maria Pouca Roupa" abriu sua casa gratuitamente, em comemoração ao belo Padre, que a Matriz ganhava...
Um mês depois, já se podiam ver as mudanças...
Toda a "Congregação das Filhas de Maria", se renovara. Na listagem, apareciam os nomes de diversas filhas de fazendeiros da região, que nunca frequentaram, com bom grado, as atividades da Paróquia, indo às missas dos domingos, quase aos trancos, por imposição dos pais...
De uma hora para outra, todas corriam à Sacristia, dando seus nomes como integrantes da Congregação.
Até a filha do Prefeito, colocou seu nome entre as novas "Filhas de Maria"!!
A Igreja, com o novo Padre, abriu conta no Banco, para fazer frente a uma reforma, já necessária de há muito...
O jovem Padre encomendou da Capital, um novo Jogo de Sinos para substituir o antigo, pequeno e já ganhando ferrugem...
Em menos de um ano, a cidade ganhava nova vida. Parecia que o "belo Padre", com sua mentalidade evoluída, fizera a cidade se renovar...
A nave foi reformada em seis meses, tempo recorde, ficando ainda "boa importância", na conta bancária...
Dois meses depois da inauguração da nova Nave da Matriz, uma "bomba" estourava na cidade!...
O filho de Seu Juca e Dona Ester, não era mais o Sacerdote da Matriz...
Era agora "Filho do Terreiro de Pai-de-Ogun", e... noivo de Marcolina, filha do Senhor Prefeito, grávida de quatro meses.

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