Carlos Alberto Lopes

terça-feira, dezembro 23

COLETÂNIA DE CONTOS DE CARLOS ALBERTO LOPES


Este blog reune os contos de Carlos Alberto Lopes.
Poeta, Editor, Contista, Romancista, Teatrologo, Carlos Alberto Lopes vem desde os 15 anos, num participar constante na vida literaria.
Editor de O Anacoluto Cultural, editou ele outros jornais, em Minas Gerais de quando de sua fase mineira - Os Conjurados de Coimbra ( zona da Mata Mineira) A Tribuna de Visconde do Rio Branco ( tambem na zona da mata mineira) .
Em 2008 recebeu ele a Medalha Afonso Schmidt, a maior honraria cultural do Municipio de Cubatão.
É o autor de " Schmidt - O Rebento dos Bananais" - biografia de Afonso Schmidt, editada eletronicamente e disponivel para consulta.
Com seu Jornal vem ele desenvolvendo um novo modo de fazer jornalismo: o jornal pessoal.
Carlos Alberto Lopes marca a sua tragetoria literaria, pela franquesa de seu escrever, sua forma direta de dizer o que pensa e sua maneira particular de encarar a vida.
Natural do Municipio de Cubatão, onde nasceu em 23.09.1951, a anos desenvolve sua cultura na baixada santista e , atualmente, pela internet e suas páginas e blogs culturais.

ACONTECEU EM MINAS

Na cidadezinha, no meio da Zona da Mata de Minas Gerais, o Gerente do Banco do Brasil resolveu que não mais ia trabalhar. Vinte anos de Banco chegavam para ele. Alegando estafa e valendo-se de meia dúzia de médicos amigos nas cidades vizinhas, entrou de licença médica por conta própria, por dois anos e meio.
Após isso, o Banco do Brasil chamou o homem para uma perícia médica, em Belo Horizonte, a mais de 400 quilômetros de Coimbra, cidade onde residia o gerente.
Coimbra fica na região de Ubá, São Geraldo, por ali...
E lá foi o funcionário para Belo Horizonte, com perícia marcada.
Chegou ao local, e as perguntas de praxe...
- Onde mora?
- Coimbra...
- Onde fica Coimbra?
- Zona da Mata...
- O que faz no Banco do Brasil?
- Gerente, há vinte anos...
- O que os médicos dizem que o senhor tem?
- Estafa, por excesso de trabalho...
- O senhor acha que trabalha muito?
- Sim, senhor.
- E nos finais de semana, o que o senhor gosta de fazer?
- Pescar...
- Pescaria é bom divertimento... e pesca onde?
- No Balde...
- No balde?!
- Sim senhor...
- O senhor tem certeza que pesca no balde?
- Claro, pesco lá desde garoto... Fui criado, pescando no balde!
Diante das respostas, o médico chamou um colega psiquiatra, para acompanhar a perícia.
O psiquiatra, mais experiente nos casos de fraude com mentira, forçou a barra:
- Mas e aí, amigo... e quando o balde não dá peixe?
- Aí, eu ando mais uns dois ou três quilômetros, e vou pescar na bacia. Lá sempre tem peixe.
A perícia do Banco do Brasil constatou estafa emocional e desequilíbrio. Aposentou o sujeito.
O interessante da historia é que o gerente não contou nenhuma mentira na entrevista...
Coimbra possui um rio chamado Rio Balde...
E a três quilômetros, para dentro da zona rural do município, existe uma lagoa chamada Lagoa da Bacia, que também dá peixe...
Ele não tinha culpa, que os médicos de Belo Horizonte, não conhecessem Coimbra, ora bolas...
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Carlos Alberto Lopes
escritor@uol,com.br

sexta-feira, junho 29

UMA FAMILIA NORMAL

O dia nascera com um sol avermelhado, que dava as nuvens aquele tom abóbora. Parecia que o céu pegava fogo.
Carmelita, naquela manhã, madrugara na porta do posto de saúde, procurando marcar consulta.
Era a quarta da fila, embora já estivesse na porta do posto quando o relógio da matriz deu as quatro badaladas.
Era assim mesmo todas as quintas-feiras, único dia da semana que o Dr. Marcelo Novaes Filho atendia, pois a consulta na clinica, era cara demais.
Carmelita era faxineira, e mal ganhava para dar sustento aos filhos, pois o marido lhe morrera a um ano atrás, deixando-lhe três bocas para sustentar, vestir e calçar, como herança.
Com a ajuda de padre Teobaldo, empregara Filomena, com treze anos, com babá do filho mais novo do prefeito, ganhava pouco., a garota, mas menos tinha onde comer e dormir com segurança.
Caramelo, com doze, era o “homem da casa”, pois assim agia, desde a morte do pai . embora pouco mais que uma criança, era engraxate na porta da igreja, e todo cair da tarde entregava a féria do dia nas mãos da mãe.
As vezes nem ia em casa para o almoço, e chegava varado de fome, pois nem o trocado para o lanche tirava da féria. Era o orgulho da mãe, que o tinha em alta conta.
Álvaro, o mais novinho, que ainda ia completar quatro anos , passa o dia na creche da prefeitura e não da trabalho.
Carmelita madrugara no posto, em busca de uma consulta, porque dona Acácia, a vizinha, disse que era bom passar pelo medico vez ou outra, para ver “coisas de mulher”, como dissera a vizinha.
As sete, a moça do posto deu a senha pra carmelita e, às nove e meia , o doutor Marcelo a atendeu.
O medico a examinou e passou alguns exames, o resultado saiu alguns dias depois; Insuficiência cardíaca; vasos entupidos e gordura no sangue.
Carmelita voltou para casa, tomou os remédios que Dr. Marcelo lhe deu, e sentiu-se bem melhor.
O tempo correu, e Carmelita acabou esquecendo ao fundo da gaveta, a receita que o medico lhe receitara.
Uma bela tarde, Carmelita teve leve desmaio e caiu da escada.
Socorrida pelos vizinhos, já chegou sem vida ao hospital.
Filomena ficou com o prefeito...
Álvaro foi para a adoção ...
Caramelo foi pro seminário...
A família se dividiu...
_O que fazer, se Deus quis assim????
Foi o comentário de uma das beatas da igreja matriz, na missa de corpo presente da finada mãe de família.....

TOSTÃO POR TOSTÃO

Nas Minas Gerais de outrora, quando o ouro era encontrado tão facilmente quanto hoje encontra moitas de capim, vivia um homem com fama de mendigo.
Passava o dia a porta da igreja, pedindo aos fieis um tostão para seu sustento. Nunca aceitava moeda ou nota superior a um tostão, podiam investir quando fosse, que o velhinho não aceitava.
Na hora da missa, entrava na nave e sentava-se no último banco, puxando ladainhas em latim, com perfeição no idioma.
Não perdia um enterro! Quando sabia da morte de alguém na cidade, lá ia ele com seu paletó já surrado pelo uso, doação de uma bondosa senhora, ajudar ao bondoso padre no encomendar da alma do finado.
Entendia os rituais da igreja como ninguém, e o próprio padre se admirava de sua memória, já que rezava em latim, sem um único erro de pronuncia.
Viveu na cidade longos anos, sem nunca faltar a uma única missa.
Certa manhã, ao abrir a igreja, o padre o encontrou morto na escadaria, com os pés voltados para a porta e a cabeça, no primeiro degrau.
Nos pés e nas mãos, trazia ele ferimentos profundos ainda sangrantes.
A policia foi chamada, e o corpo recolhido à Santa Casa. O delegado determinou que se revistasse os bolsos do morto, e foi encontrado além de alguns tostões, um bilhete.

“Meus bens, deixo como legado a igreja matriz desta bondosa cidade, que soube acolher-me e dar-me o que comer, vestir e beber, sem perguntas procurar fazer-me. No barraco, onde moro, sem nada pagar ao proprietário, será encontrado meu legado.”

No barraco, encontrado foi um cem número de barris, abarrotados de moedinhas de um tostão.
O montante, deu para o padre reformar a nave da matriz e construir um grande orfanato.
Coisas da fé.....

OBRIGADO, JULIO!!!

Júlio era o que se podia classificar de um “João Ninguém”, pois nunca conseguia criar família, ter emprego fixo, possuir propriedade ou outra coisa qualquer, pois nunca tivera juízo bastante para isso, vivendo, dormindo e comendo graças à caridade e bondade do povo da pequena cidade, que o considerava “patrimônio municipal”, pois Júlio tinha coisas ao seu favor: Não bebia e era de alta confiança.
Era a pessoa ideal para fazer pequenas tarefas, mas nunca duas ao mesmo tempo, pois sua mente misturada tudo e ele entrava em depressão.
Os comerciantes da cidade, nomearam Júlio numa espécie de “continuo coletivo”, pois fazia pequenos trabalhos, e com isso ganhava o suficiente para não ser pedinte, o que lhe dava um certo respeito próprio.
Seu quartinho, atrás do armazém de miudezas do Januário, é arrumadinho e limpo ao extremo, pois Júlio detesta sujeira.
Aos domingos, pela manhã, que ninguém procure Júlio, pois ele esta na casa paroquial, cuidando da faxina, e por mais que o sacerdote queria lhe dar pagamento pelo trabalho, não há quem o faça aceitar, pois diz que é Deus quem lhe faz o pagamento, dando-lhe direito a dignidade.
Quem não conhece Júlio, facilmente o confunde com um executivo, pois vive vestido com terno completo, camisa branca de mangas compridas e gravata.
Tinha, no quartinho, um guarda-roupas quase de primeira, pois todos os comerciantes da cidade lhe davam roupas quase novas, ou novas mesmo, pois Júlio merecia, visto que cuidava da aparência e do asseio próprio como poucos.
Júlio era respeitado por todos na cidade, pois estava sempre pronto ajudar seu próximo.
Ninguém conhecia o passado de Júlio ou sua família.
Aparecera na porta da casa paroquial, a uns vinte anos atrás, e nunca mais abandonou a cidade.
Certo dia, um caminhão perdeu o controle na descida do morro do cruzeiro e entrou, desgovernado, na praça da matriz.
Ao meio da praça, na inocência de seus quase dois aninhos, brincava Bianca , filha única de Fabiola e Gilberto.
O veiculo, carregado e sem controle, invadiu a praça, levando pelo caminho bancos e árvores centenárias.
Sua possível trajetória, tinha o local exato onde Bianca brincava com sua bonequinha de louça, que a vó lhe dera no último Natal.
Júlio estava na padaria.
Ao ver o caminhão entrando na praça, correu como nunca e, em segundo, tirava Bianca da trajetória do veiculo, mas não conseguiu evitar que o caminhão o atingisse, fazendo de Júlio sua única vitima.
Júlio ainda foi levado ao hospital, mas não havia mais tempo pra nada. Júlio estava morto!
Seu velório, na câmara municipal, foi o mais concorrido da cidade.
Seu enterro, o de maior número de pessoas.
Por iniciativa do comércio, foi decretado luto não oficial por três dias.
Isso aconteceu há mais de dez anos ,e até hoje o nome de Júlio é sinônimo de bondade, na cidade onde Bianca brinca na praça da matriz, deixando sempre uma rosa branca na placa que lá esta, onde se lê:


“Ao amigo Júlio, a cidade agradece!!!”

A rua, que liga o cruzeiro a praça, foi rebatizada como “Alameda Júlio; a creche, onde Bianca estava matriculada na época do acidente, recebeu o nome de seu salvador.
O sacerdote da matriz reza, anualmente, uma missa em memória de Júlio, na data do acidente e o prefeito decretou a data como feriado municipal.
Júlio, o homem sem família ou sobrenome, tornou-se herói, não só pelo seu ato, mas por sua maneira cristã de ver a vida.

O VENDEDOR DE VELAS

O Padre de matriz via todos os dias um menino, de seus dez ou doze anos, não mais que isso, sentado na escadaria da igreja matriz, oferecendo velas aos paroquianos .
_Como e teu nome, menino?- perguntou-lhe certo dia o bondoso sacerdote.
_Me chamo Mário, seu padre!- respondeu o menino, tirando o chapéu de palha da cabeça...
_Quantos anos tem?
_Mãe diz que já fiz dez, mas certeza mesmo, tenho não senhor! Nunca, nunquinha mesmo, comemorei aniversario!
_Sabe ler, escrever, fazer conta?
_Olha seu padre, sei ler as letras....mas quando coloco elas todas em carrerinha não entendo mais nada. Quanto aos tais dos números, conheço eles..... mas se puder um em riba dos outros, com mais de dois andar, eu num sei como junta eles não. Mãe diz que isso a gente aprende na tal da escola, mas eu nunca fui lá não! Tenho que trabalha, por morde de que o Marcelo, meu irmãozinho ainda toma leite. Ele é pequeno ainda!
_E seu pai?
_Morreu faz um tempinho, numa brigas com um sujeito lá na favela, onde nois mora! O sujeito não gostava do pai, e ai mato ele, com a peixeira! Depois, veio uns home, que colocaram o pai num carrão preto e sumiu! Meia hora depois, a mãe veio conta que ia ao tal do instituto medico legal, busca o pai, pro velório, mas não sei o que aconteceu, pois a mãe demorou e nois, eu e o Marcelo, durmimo. No tal do enterro, fui não, pois dona Rosa, vizinha de nois, lá na favela, disse que nois era pequeno demais pra vê enterro, então a mãe deixo nois em casa e foi enterra o pai, e nunca mais vi ele. Mãe diz que ele tá cum Deus! É verdade, seu padre?
_É filho! –Disse o padre comovido.
_Então mãe não mentiu! Que bom! Depois disso tudo, eu arresolvi ser o homi lá de casa, e vim aqui pra porta da igreja, vende velas, pra dar o leite do Marcelinho, pois os peito da mãe não da leite pra ele, e a pensão do pai, mal dá pra paga o barraco!
_E ninguém ajuda vocês?
_Pra fala a verdade, seu padre, vez ou outra chega lá em casa umas mulhe, trazendo uns biscoito duro, e um punhado de coisas pra mãe cozinha, mas não é sempre não.....é bom, mas a mãe falô que nois num deve acostuma com a caridade dus outro, e que devemo trabalha pro sustento, pois quando a caridade faia, a gente passa fomi! Eu, pro meu lado, arresolvi: Vou acostuma a ganha o meu, mas no honesto, por isso é que vendo vela, no luga de pedi trocado pros outro!
_Dá pra ganhar o suficiente?
_Oia, seu padre, desde que comecei a vende as velas, o Marcelo teve leite todo dia! Não ganho muito não, mas para o leite do menino, consigo ganha!
_Mas para o resto, meu filho? –Perguntou com lagrimas nos olhos, o reverendo.
_Ora, senhor padre, o senhor mesmo disse, na missa que eu assisti outro dia, que Deus olha pra quem necessita a ajuda, quem merece! Nois necessita e acho que nois também merece, portanto ele vai nos ajuda, não é mesmo? De mais a mais, nois não temo luxo, seu padre.....mãe esquenta no forno o pão, que seu Valdemar guarda pra mim, da fornada de ontem, e nois num passa fome não, padre! Tem gente que tem menos que nois, não é assim, seu padre?
_É filho! É assim mesmo!
Naquela noite o vigário dormiu mais tranqüilo, pois sabia que na escadaria da igreja, logo pela manhã, um anjo, em forma de vendedor de velas, lá estaria, demostrando com seu trabalho, sua fé em Deus e seus ensinamentos

O SUSTO DO LAURINDO

Na choupana, onde funciona a xiboca do Horácio, que faz a melhor caipirinha do morro , o Bola Sete jogava sinuca com filho da Maroca, que já puxou dois anos de cadeia e ainda não se emendou, vivendo de arrumar confusão.
_ Marcelo não tem vergonha!
É o que diz, sempre que tem o oportunidade, a Maroca, mãe do pimpolho.
Para a mãe, é o Marcelo, mas para o morro era Nego Cipó, forte como um touro e ágil como um gato.
O único que merecia seu respeito era Bola Sete, pois o crioulo era de assustar qualquer um, e poucos tinham coragem de enfrenta-lo. Eram dois metros de músculos, onde se distribuíam cento e vinte quilos de peso, era um verdadeiro trator, quando perdia a paciência, mas uma moça, no trato do dia a dia.
Puxara oito anos de cadeia, quando deu um murro no cabo Getúlio e o mandou ”visitar São Pedro”, só com passagem de ida.
Vivia ele de bicos, e assim sustentava a velha mãe, já com quase setenta primaveras.
Tinha lá seus amigos, e um deles era Negro Cipó, pois os dois lá se entendiam.
Era comum o joquinho de sinuca, no mano-a-mano, todo inicio de noite, na xiboca do Horacio.
Naquela noite, porém, a coisa foi diferente, pois lá pelas oito da noite, Maria Filomena das Dores entrou, trazendo o pequeno rebento ao colo, chorando que nem uma desesperada.
Cipó pegou o menino ao colo, enquanto o bola procurava saber o que havia acontecido.
Depois de muito choro, Filomena conseguiu contar que o Sargento Laurindo, seu caso a tempos, e pai do menino, havia chegado de cara cheia e resolveu comprar barulho, dando-lhe uns tapas e quase acertando no menino.
Enquanto escutava a história, o rosto de Bola Sete avermelhava, ganhando um tom roxo, que assustaria qualquer um.
A mulher do Horacio recolheu o menino e Filomena, enquanto os dois amigos saiam, sem nada dizer.
Não levaram dez minutos, para estarem na porta do sargento Laurindo, que tinha este titulo porque era sargento, nos fuzileiros, quando era mais moço.
Quando Laurindo atendeu à porta, ainda meio de cara cheia, veio com meia dúzia de palavrões feios.
Bola não disse uma única palavra, apenas juntou Laurindo pelo colarinho e o levantou ao chão uns bons dois palmos.
Laurindo, com o susto, curou a bebedeira rapidinho, e começou a se dizer autoridade; que o Bola o soltasse, e outras coisas mais.
O Bola olhava no olho do homem e o segurava com uma mão só enquanto Nego Cipó revistava a casa, em busca da arma do sujeito.
Quando a encontrou, Bola soltou o sujeito, que estava vermelho que nem um pimentão.
Laurindo sentiu o dedo do Bola em seu peito, e ouviu o estrondo da voz do “brutamontes”, que ressoou ao ouvido.
_Se oce toca novamente, ou em Filo, ou no menino, os tais dos fuzileiros não vão gasta muito, pra enterra oce, viu?
Laurindo ficou branco...
As pontas dos dedos gelaram...
Ainda estava assim, quando Cipo e Bola saíram, voltando ao seu joquinho interrompido.
Filomena voltou pra casa horas depois, e nunca mais o Laurindo tocou num fio de cabelo dela ou do menino.
A vizinha contou que, no outro dia pela manha, Filomena estava no tanque, lavando um pijama de Laurindo, pois o mesmo estava borrado.
Deve ser verdade, pois Bola Sete tem fama de fazer safado borrar as calcas, vez ou outra.

O SANTO PADRE

Aquela pequena cidade tinha se unido e construído com as próprias mãos, a sua Igrejinha... Pequena no tamanho, mas grande na fé de seus paroquianos, que economizaram tostão por tostão, recolhendo o necessário para mandarem vir da Capital, a imagem de Nossa Senhora do Rosário, esculpida em Jacarandá a quem por querer comum, elegeram Padroeira do humilde lugarejo, que no mapa do Estado, figurava como "cidade", mas que na realidade era apenas uma "vila", com falta de tudo, menos da fé...
A imagem já estava na cidade há dez anos e todos os dias às oito horas em ponto, o sino de bronze dava as oito badaladas, levando para a pequena Nave, a maioria dos habitantes, que com fé imensa, escutavam e participavam da Santa Missa!
Quando anoitecia, e o relógio da Estação Ferroviária avisava que já eram sete da noite, novamente o sino tocava, e lá iam os fiéis de Nossa Senhora, para a Reza diária...
Vez por outra, a "dona morte", resolvia passar pelo local. Nestas ocasiões, a pequena Igrejinha, transformava-se no recinto em que os amigos do finado dele se despediam...
A água de sal era jogada nos recém-nascidos, acompanhada por clássicas palavras em latim...
Quem olhava a procissão de Nossa Senhora do Rosário, cortando a cidade de ponta a ponta, em 13 de maio, diria que nada havia de errado...
Mas quem observasse com maior cuidado, verificaria, que puxando a procissão; ministrando a Missa; abençoando aos recém-casados; molhando a cabeça dos recém-nascidos ou encomendando o espírito dos convidados de "dona morte", não estava um Padre, como seria o natural...
Quem fazia as vezes do Vigário, naquele local esquecido pelo Senhor Bispo, era "Pai Germino", benzedor e raizeiro, que morava na Rua do Morro, e que à sextas-feiras, movimentava o seu Terreiro de Candomblé!

O RAIO ATRAZADO

O relógio da Matriz marcava: 11:45 minutos, daquele dia de sol quente e mormaço assustador, que fazia até o Senhor Vigário vir à porta da Sacristia e, numa atitude inesperada, levantar a batina, procurando, com isso, se refrescar um pouco...
Do Colégio Público, que se fazia majestoso no alto do morro, começou a sair a "Manada Estudantil", apelido que dera o Senhor Vigário àquele mar de jovens, que quando faltava um quarto para o meio dia, dos chamados dias úteis da semana, descia a ladeira do Colégio, em conversas intermináveis e brincadeiras, nem sempre divertidas, aos olhos do Senhor Vigário, pois não raro resolviam jogar barro nas batinas do Padre, que descansavam no varal, para esquentarem um pouco, entre a missa da manhã e a oração da noite, coisa que já havia até se tornado ponto principal da homilia de um dos domingos anteriores, coisa que acabou fazendo a nave da Igreja ser palco de uma gargalhada geral, visto que a missa das dez, é a mais freqüentada pela "manada estudantil".
Mas naquele dia, mal a "Manada" terminou de descer o morro do Colégio, o céu escureceu de repente, e um raio cortou o espaço, atingindo o velho Colégio Municipal, fazendo em pedaços boa parte de sua velha estrutura, que há muito pedia uma boa reforma!
Saíram feridos do episódio, oito dos funcionários da limpeza, a velha Diretora, com um grande corte na cabeça, e dois estudantes do último ano, que estavam realizando uma pesquisa na Biblioteca!
Ao saber do ocorrido, o velho Padre, ajoelhou-se frente ao altar e, comovido, disse:
_"Obrigado, Senhor, por haver permitido que aquele raio chegasse atrasado para a aula...

quinta-feira, junho 28

O PRESENTE

O morro estava em festa , pois dona Eularia, a mais antiga moradora, completaria oitenta na quadra da escola de samba do morro, com gastos pelo centro e por alguns comerciantes. com os sambistas se apresentando e o morro em peso como convidados, em uma festança como nunca havia sido feita .
Dona Eularia, mãe do santo das melhores, era uma das criaturas que se coloca no mundo só com coração, sem outra coisa.
Era a parteira oficial do Canta Galo, desde que se conhecia como gente, que fez o primeiro parto aos dez anos, trazendo ao mundo o velho Justino pouca prosa, que acabou casando com sua filha Malvina, trinta anos depois.
Justino já estava no “andar de cima “, mas Malvina ainda estava lá, ao lado da mãe.
Quando perguntavam a Eularia sobre a saúde, ela responde:
_Vai como Deus quer e permite! Aqui vou estar, até que o criador me avise que esta na hora de “bater com as dez” e ir prestar minhas contas, que estão penduradas em um prego já enferrujado!
Pois assim era Eularia, sempre de bom humor e com uma gargalhada pronta para a vida.
A festa, preparada com carinho, tinha de tudo, tinha e de tudo provou Eularia... até tomou o tal do “whisky” que chamava de “cachaça de gringo”, do litro que ganhou de presente do Juvenal, presidente da escola de samba do canta galo.
Lá pelas duas da manhã com o salão lotado e o arrasta pé pegando fogo, entrou pelo portão um punhado de pessoas, os convidados se entreolharam, e o salão ganhou profundo silêncio.
Eularia, do alto de seus oitenta anos, desceu os dois degraus que a separavam do salão, largou o lugar de honra que ocupava no palco e, amparada por dois de seus netos, se dirigiu ao grupo que entrava.
Era um grupo de dez ou doze homens, todos vestidos de negro, com luvas de couro de mesma cor, trazendo pintado nas jaquetas uma caveira dourada.
Trançada do meio por dois sabres.
Todos do morro conheciam aquela marca...
Era a marca do grupo de delinqüentes comandados por Mauro Cara de Cavalo, elemento com vasta lista de contravenções e crimes procurado pela policia como elemento de alto perigo.
Pois foi justamente ao Mauro, que Eularia se abraçou, dizendo!
_Meu menino! Pensei que não pudesse vir!
_Não deixaria minha madrinha, sem o abraço costumeiro! – disse Mauro, beijando as mãos de Eularia.
A anciã abandonou o apoio dos netos e, de braço dado com Mauro, voltou ao seu lugar no palco, com largo sorriso na face.
Mauro, após colocar Eularia com todo cuidado, em sua cadeira, dirigiu-se aos presentes:
_Em homenagem a madrinha, eu e meus rapazes resolvemos dar um presente ao morro. Não foi comprado com dinheiro desonesto posso lhe garantir!
Neste momento, as portas do salão foram totalmente aberta entrou uma ambulância, equipada para funcionar como UTI móvel.
Nas portas, trazia uma inscrição:
“Ao povo, com o abraço de Eularia Maria da Conceição.”
_Esta ambulância, continuou Mauro _ Vem acompanhada de
um motorista enfermeiro e medico, que pessoalmente vou cobrir os custos até que a comunidade, com minha ajuda e de meus rapazes, consiga construir, em mutirão, o posto de saúde, no terreno que já comprei. ao lado da igreja. O terreno foi comprado e pago, e tem a escritura tirada em nome de Eularia Maria da Conceição, para que não fiquem dúvidas no que eu disse. Também já esta comprado e pago todo material necessário para a construção do posto de saúde.
Dizendo isso, Mauro Cara de Cavalo deu um beijo na testa da madrinha, e retirou-se com seus rapazes.
Seis meses depois , já com o posto de saúde e a ambulância em pleno funcionamento Mauro Cara de Cavalo tombava, num confronto com a policia militar.
Ao saber que Mauro falecera, Eularia comentou.
_Um bom menino... um homem de bem...
Após a missa de sétimo dia, que Eularia mandou rezar, em memória de Mauro, a mesma Eularia retirou o pano de inauguração de uma placa de bronze, no principal salão do posto de saúde, onde se lia:

“Por pior que se possa pensar que e um ser humano, há nele algo de digno, se houver em alguém dignidade em procurar!
Em honra de Mauro Cara de Cavalo

O PEQUENO MÁRIO

Mário tinha seis anos de idade.
Aparentada ter, de corpo, uns quatro e, de vivência ,uns dez, visto que vivia nas ruas, dormindo onde podia e comendo, quando lhe davam.
Seus pais, ele não sabia quem eram, pois nunca os conheceu.
Fora deixado, ainda de colo, num dos bancos da Praça da Sé, em São Paulo, e chegou aos seis anos graças a um grupo de garotos que o adotaram, ainda trocando fraudas.
A mãe, que conheceu e reconhece, é Julia, uma garota de dezesseis anos, que na época tinha dez, e cuidou dele como pode, roubando até, para que não lhe faltasse o leite.
Julia , hoje, não mais esta nas ruas, pois os homens da Febem a colocaram num hospital, pois Julia esta com uma doença grave que o pequeno Mário não sabe explicar direito.
“Cabeça de Prego” é quem cuida de Mário agora, e foi ele quem contou pró Mário sobre Julia.
Mário e os outros meninos vivem na praça, dormindo nos buracos do metro, pois e o único lugar quente que conhecem.
Vez ou outra, um dos garotos é pego pela policia, e fica fora das ruas pôr uns tempos, mas logo volta.
Só quem nunca volta é Julia.
De vez em quando, Mário chora, com saudades de Julia.
Mas chora baixinho, sem ninguém ver, pois o “Cabeça de Prego” não admite que Mário chore, pois diz que chorar e coisa pra mulher, e o Mário fica com vergonha.
Nas ruas, Mário já aprendeu muita coisa: já sabe amarrar os tênis, que ganhou do Juarez, pois não serviam mais pra ele; sabe fazer “cara de fome”, pra ganhar trocados das senhoras que passam na praça: sabe escolher o pão mais mole, dos que encontra no lixo do bar da esquina: sabe que tem que respeitar o padre da matriz, pois e ele quem da os presentes na época do Natal ;e os ovos de Páscoa, além de roupas e outras coisas, vez ou outra.
Outra coisa que a vida ensinou a Mário, foi evitar a policia , pois foi ela quem levou Julia, e o deixou só .
No correr dos anos, Mário conquistou alguns amigos .
Seu Onofre, dono da padaria, lhe garante o café da manhã, chova ou faca sol: o Melquito, dono do restaurante, prepara todos os dias o prato de Mário, e não e com restos não, pois Mário come numa mesinha, ao lado do pessoal da cozinha, com direito até a um copo de suco, que varia todos dias.
Mário tinha um cachorro, o “Felpudo”, mas o caminhão atropelou.
Quando o dia tá quente, Mário e seus amigos vão pra fonte e “caem n’água “, quando a policia não esta vendo.
Vez ou outra, Mário e a turma vão passear de metro, e é sempre divertido, pois Mário “faz de conta” que é tatu, cortando a terra e entrando nos buracos de concreto.
Talvez o dia mais triste da vida de Mário, foi quando o Souza, um menino da turma, com menos de dez anos, pegou carona na carroceira de um caminhão e acabou caindo, batendo a cabeça no asfalto, chegou morto ao hospital.
No Natal passado, Mário ganhou um pião de seu Onofre, com fieira e tudo.
Parece mentira, mas Mário conserva o presente como ganhou. Nunca rodou o pião.
Nem uma única vez.
Assim vive Mário, menino da Praça da Sé .

O MATUTO

(Em memória de Massilom Bueno)


O jovem nascera cuidando de plantação. Não sabia e não queria fazer outra coisa. Foi por causa disso, que havia se sujeitado a ser "alugado".
A única coisa que pediu, foi que o Coronel, dono da terra, lhe permitisse viver isolado, num barraco que ele mesmo levantou, no meio do matagal, a dez metros onde ficava a roça de cana-de-açúcar, que o Coronel encarregara-o de cuidar.
O combinado, era que em cada lote de tonelada de vareta caiana, que fosse colocado nos caminhões, o Coronel pagaria a ele, dez por cento do valor do carregamento, ao preço do dia.
O dono da terra, ao fechar o negócio, não achou que o pagamento ao peão, que trabalharia sozinho em grande extensão de terra, fosse um grande dinheiro.
Acontece, que ninguém conhecia o método de plantio e colheita do qual o matuto era conhecedor, e... não deu outra!
No final da safra, o pedaço de roça do matuto, apresentou quatro vezes mais peso em tonelada, do que qualquer outro pedaço de terra do velho Coronel, e este, rompendo o compromisso, negou-se a pagar contra-entrega.
O matuto foi à casa grande, e o dono da terra, no lugar de o pagar, não o recebeu, mandando seus capangas lhe darem uma boa surra.
Não contente com isto, remeteu ao pedaço de terra do matuto, meia dúzia de homens, que atearam fogo em seu barraco...
O matuto, após recuperar-se da surra, conseguiu emprestado de um amigo, uma espingardinha "pica-pau", e carregando-a com caquinhos de vidro, sorrateiramente chegou ao principal curral do fazendeiro, fez mira, e descarregou a "pica-pau" bem entre os olhos do touro reprodutor do Coronel, orgulho da fazenda.
Não contente com tal façanha, o matuto, munido de uma caixa de fósforos e um galão de querosene, ateou fogo no canavial!
Como era época de "noroeste", em menos de duas horas a fazenda inteira era uma fogueira só!
No outro dia, pela manhã, enquanto chegava à cidade a notícia do Coronel arruinado, que cometera suicídio, entrava no buteco do Oscarim, um matuto, com uma espingardinha "pica-pau" descarregada ao ombro; um cigarro apagado à boca e uma caixa de fósforos vazia no bolso, pedindo ao balconista, um fósforo, para acender o cigarro.
Ao escutar o comentário sobre o suicídio do Coronel, sentou-se num banquinho existente à porta do buteco, puxou longa tragada do cigarro de palha, e disse:
_"Grande perda! Honesto que nem aquele, nunca mais encontrarei! Mais ainda bem que consegui cobrar dele, tudo o que ele me devia!

O HOMEM TAVA OCUPADO

_Eu quero falar com o senhor prefeito! – dizia o homem bem vestido, à secretaria do burgomestre.
_O senhor marcou audiência prá hoje? – perguntou a experiente funcionaria publica, abrindo a enorme agenda.
_Não houve tempo para isso, senhora! Apenas troquei a camisa e vesti o paletó!
_Audiência hoje, sem hora marcada impossível!
_Mas e uma questão fundamental! É necessário que eu fale com o prefeito agora!
_Hoje e impossível! Sr. Prefeito embarca daqui a pouco para Brasília! Tem audiência marcada! É impossível!

Duas horas depois, na cidade vizinha , um majestoso enterro tinha inicio, saindo do hospital modelo em direção ao cemitério local.
À porta do cemitério, dois senhores, trajando preto completo, conversavam.
_Então ? o homem vem?
_Não sei ainda... mandei chamar1
_Eu não entendo o que esta acontecendo...
_Nem eu, que sou mais velho que você!
_Ele não apareceu no hospital nenhum vez?
_Só no inicio da semana passada... ficou dez minutos e saiu... alegou que tinha compromissos...
_Isso não esta correto, você não acha?
_Nem correto... nem ético...
No meio da conversa chegou outro homem um pouco mais moço... o mais velho lhe perguntou.
_Então? Falou com o Home? _Não, pai .... a secretaria disse que ele não podia atender!
_Você insistiu, filho?
_Quase invadi o gabinete?
As cinco da tarde, o cortejo fúnebre saia do necrotério...
As cinco e seis da tarde, um prefeito embarcava num avião de carreira, na cidade vizinha....
O filho, famoso, ia ao planalto...
A Mãe ,orgulhosa, ia para o alto...
Coisas da política!

O FUNCIONÁRIO PÚBLICO


O homem fazia, há quarenta anos, a mesma coisa: chegava na repartição às sete e cinquenta da manhã; batia o ponto; ia para a sua sala; sentava em sua cadeira, frente à mesa; pegava o jornal do dia e o lia, do começo ao fim...
Em seguida, lá pelas oito e trinta da manhã, abria o grande armário, retirando de lá um calhamaço de papel, o qual colocava sobre a mesa...
O selecionava, de acordo com os assuntos.
Separava meia dúzia de carimbos, os molhava na almofada de tinta azul, e começava...
Carimbo na almofada...Carimbo no papel...
Carimbo na almofada...Carimbo no papel...
Isto ia até ao meio dia, quando saía para o almoço, engolido meio às pressas, pois às treze horas, lá estava ele novamente, sentado em seu lugar...
Carimbo na almofada... Carimbo no papel...
Dez para as cinco da tarde, juntava ele os papéis ainda por carimbar, e os guardava no antigo armário...
Os devidamente carimbados, iam para a mesa do Chefe, que mecanicamente os assinaria, mas somente no dia seguinte, pois o expediente da Repartição, estava terminado...
Eram dezessete horas em ponto...
Após o "até amanhã" aos companheiros, voltava o velho funcionário para casa...
No outro dia, às sete e cinquenta da manhã, começava tudo de novo...Quarenta anos...
Um belo dia, aposentaram-no por serviços prestados ao Estado, com direito a salário integral e um ótimo relógio de ouro massiço!
Passaram-se seis meses...
Certo dia, lá pelas quatro da tarde, o telefone da repartição avisou:
_"... O velho servidor havia falecido!"
No enterro, onde compareceram todos os seus antigos amigos, o médico da família comentou:
_"Morreu de Tédio!"

O CASO DA ONÇA

Quando Juca entrou no bar, trazendo pela coleira uma onça pintada, foi um reboliço só, pois ninguém esperava aquilo, ainda mais vindo de Juca, um pacato lavrador, que morria de medo quando os amigos contavam histórias de animais.
Mas era o Juca, o medroso do Juca, que trazia a onça na coleira pra dentro do bar, sem nenhuma cerimonia e sem aviso nenhum, quase matando o velho Onofre, dono do boteco e cardíaco. de susto.
Tudo começou na semana passada, quando o Januário, filho de seu Onofre, resolveu dar uma de valente, e desafiou o Juca para um duelo de coragem.
Venceria , quem trouxesse o bicho mais perigoso ate o boteco, no prazo de uma semana.
Na Sexta foi a vez de Januário, que trouxe um jacaré de dois metros, dentro de uma jaula de ferro.
O Pessoal cumprimentou Januário, tomaram cerveja em comemoração, mas susto mesmo, ninguém tomou com o jacaré.
O Juca ia deixar as coisas acabarem assim, mas o Januário levado pelos comentários sobre o medo do Juca, amolou demais o coitado do adversário, chegando mesmo a chama-lo de “boiola“ e outros nomes feios.
Juca então resolveu trazer a onça, e acabou com a prosa do Januário, que tremeu feito vara verde na porta do banheiro do boteco, pedindo copo d’água, pra acalmar o medo.
Duas horas depois, as coisas já estavam mais calmas na cidade, e o Juca pode levar embora a onça, que havia sido alugada de um circo, na cidade vizinha.
Alem de ser uma onça domesticada, acostumada ao publico, Juca ainda havia tomado a precaução de dar uma injeção de tranqüilizante no bicho .
Vê lá se Juca era besta de correr riscos!

O CARROCEL

O carrossel girava sem parar e, montados nos cavalinhos de madeira, os meninos da favela se divertiam, fazendo de conta que eram mocinhos e bandidos, em perseguições intermináveis.
Havia três dias que o carrossel ali se instalava, no espaço entre o Auto posto do Mathias e o bar de seu Alfredo, local amplo, usado para o futebol diário daqueles que na favela viviam, sem diversão e sem luxo.
Fora obra de Mathias, a vinda do Carrossel, pois que o comprara já usado, de um parque de diversão que entrou em falências.
Como não havia perspectiva de aumento do Posto de Gasolina, pelo menos por enquanto, Mathias resolveu usar o terreno para o divertir dos pequenos, e assim a favela ganhou seu carrossel.
Tinha ele dez cavalinhos de madeira, em cores diversas, já começando a descascar a tinta.
Entre um cavalinho e outro, um pequeno banquinho, para as crianças menores.
Funcionava por intermédio de um amontoado de engrenagens, movidas por um motor elétrico, ligado por fios à tomada central do Auto Posto do Mathias.
Funcionou o Carrossel por quatro dias, sem problemas, levando alegria e diversão aqueles garotos sofridos e sem futuro.
Na manhã do quarto dia, um curto-circuito na instalação do Posto, provocou pequeno incêndio. Por sorte ninguém saiu ferido, e o fogo não atingiu a reserva de combustível, apenas danificou por completo a rede elétrica.
Sem a rede elétrica, além de não funcionar as bombas do Posto, não funcionava também o Carrossel, e isso deixou as crianças decepcionadas.
Mathias saiu, em busca de um eletricista e as crianças por sua vez, começaram a correr de porta em porta, procurando ajuda para que o Carrossel voltasse a girar.
Em pouco tempo a favela inteira estava envolvida.
A parte elétrica, foi substituída por dois motores usados de geladeira, os fios foram trocados por fiação nova, doada por José da Ajuda, dono da loja do Sopé do Morro, e já que era prá ajuda, os filhos da Maria do Morro e pintores de parede dos bons, se prontificaram a pintar os cavalinhos, já que estes já se descascaram.
Juntaram com os amigos, varias latas de tintas à óleo, de diversas cores, e se puseram na pintura, enquanto a parte elétrica era consertada.
Quando o Mathias chegou, ao final da tarde, com um eletricista, o Carrossel já estava todo pintado com cores brilhantes e o Auto posto também já funcionava a pleno vapor, pois as crianças também haviam conseguido uma caixa nova de força, presente de seu Melquito, dono da loja de materiais para a construção, que não só deu a caixa de força, como também mandou trocar toda a fiação do Auto Posto, coisa que o Mathias ameaçava fazer a anos.
Mathias, ao ver o Carrossel todo pintado de novo, e funcionando, e o Posto atendendo a freguesia sem problemas, sentou-se em um pequeno banco de madeira e deixou duas lágrimas banharem seu rosto.
Vendo-o emocionado, as crianças o rodearam, e um menino, o mais pequeno deles, disse ao já idoso comerciante:
_ Não chore, seu Mathias, pois nosso Carrossel está lindo de novo, e nós o amamos muito !
Foi ai que Mathias chorou de verdade, pois compreendeu que aquelas crianças, embora na humildade dos pobres, souberam reconhecer o presente do velho aos seus iguais, e tiveram fibra, para fazer a comunidade entender.
O Carrossel ainda lá está, girando como sempre, com a comunidade preservando-o.
Os filhos de Filó, dão mão de tinta nos cavalinhos periodicamente... Mathias já faleceu, mas em testamento, doou o terreno do Carrossel à comunidade, que o mantém como tributo ao seu benfeitor.

O BAÚ DE SEU PADRE

A igreja matriz da pequena cidadezinha estava lotada, pois o vigário pedira a presença da comunidade na missa das dez daquele domingo, e a religiosidade do povo se fez presente, principalmente dos paroquianos mais humildes.
Na comunhão, padre falou aos fiéis sobre o sacrifício do cristo e da essência do significado do ato da comunhão, que era o simbolizo da união dos homens com a fé do cristo.
Da Omelia, entretanto, pouco falou o vigário sobre religião, pois o assunto era reforma da matriz, que estava com o telhado quase despencando.
Pediu o padre ajuda a seus fiéis e logo depois foi feita a coleta dos donativos
Ao meio da coleta, entretanto, forte chuva teve inicio na cidade, com um vento que chegava a doer.
Quando a chuva cessou, e o vento se tornou apenas uma brisa suave, a missa já havia terminado.
Meia hora depois ,o padre recolhia-as à sacristia, após despedir-se dos fiéis à porta da igreja.
Sob à mesa, encontrou ele um pequeno baú, contendo dobrões de ouro.
Junto ao baú ,uma carta:
_“Use este ouro para construir uma igreja nova, ou reformar esta. não peça a quem não tem nada para dar. Espere o poder divino, pois ele tarda, mas não falha”
A carta não trazia assinatura.
O baú trazia, na tampa, gravado a fogo, à marca do cristianismo.
Em cada dobrão de ouro, gravado estava o peixe, como no baú.
O padre, assustado comunicou o fato ao bispo, e este relatou o fato a Roma .
A igreja foi reformada, e o baú, guardado no cofre da Sacristia.
O baú continha cento e oitenta dobrões de ouro.O interessante e que lá ainda estão os cento e oitenta dobrões de ouro, pois embora o padre os tenha vendido para a reforma da igreja, dois dias depois eles apareceram no baú, sem ninguém os recolocarem lá, pois estavam no cofre da sacristia.
Coisas da Fé, presume-se...

O ARMAZÉM

O armazém do Custodio era muito mais do que um simples armazém de secos e molhados, como podia parecer para quem via o armazém, pois aquele local era o centro de tudo, naquela cidade, que nem no mapa do estado aparecia.
Ali, se resolvia tudo, em nome da comunidade e se ditava as regras de conduta de conduta até da própria vida da população.
Foi no armazém do Custodio, que a oposição conseguiu encontrar um nome , para ganhar as ultimas eleições gerais; foi ali também que lançou-se o nome do Justino, para presidente da Associação Comercial, além de sair dali o nome do presidente do Clube Campestre, que de campestre não tem nada, pois fica na parte central da cidade mas, com fala o Sebastião, sacristão das matriz, o nome não é coisa importante desde que o tal clube sirva a população, e é o que acontece; pois é no “campestre” que nasce todas as ajudas comunitárias, dirigidas à população carente.
O Armazém do Custodio é, sem duvida, o coração da cidade, pois é daquelas três mesinhas de armar, que o Custodio coloca frente ao armazém, invadindo a calçada, que sentam para o aperitivos “notáveis” da cidade, pois a cidade é do povo, mas quem manda realmente, senta-se naquelas mesas, com toda certeza.
Foi ali que nasceu a candidatura de “Chico Filo”, para deputado estadual.
O coitado do Chico só ficou sabendo dois dias depois, quando invadiram seu sitio, ao pé do morro, pra lhe informar que ele, o Chico, era o candidato da cidade.
O Chico perdeu a eleição, mas ganhou um bocado de amigos, que na eleição pra prefeito ajudaram a oposição a ganhar a prefeitura e doze cadeiras na câmara municipal.
Chico não foi o candidato, pois esta honra ficou para o Dr. Pimenta, mas o Chico ajudou muito, tanto que Dr. Pimenta arrumou um emprego para o filho do Chico que agora é continuo da prefeitura.
O Chico fala que o filho ganhava mais no escritório de despachante, que trabalhava a mais de cinco anos, quando o Pimenta o levou para a prefeitura, mas agora é emprego fixo e isso, nos dias de hoje, vale alguma coisa.
O engraçado é que o Chico, depois da eleição do Pimenta, pouco aparece no armazém e, quando o faz, nem chega a esquentar a cadeira, muito diferente do que acontecia na época da eleição, quando o Chico era figura constante e obrigatória.
Padre Clementino é quem deve estar com a razão, quando diz que política é a arte de plantar e colher depressa pois, quem espera, perde a safra.
_Chico plantou, e bem plantado, mas na hora de colher, esperou demais, e ai, o Pimenta aproveitou!
Disse o padre certa vez, numa conversa na casa de dona Marcolina, no aniversario de casamento da bondosa senhora e seu Lindouro, líder da situação, quando o nome do Chico foi colocado numa conversa sobre o armazém.
Carmelita, mulher do Custodio disse que o armazém nunca esteve tão movimentado como no dia que a “casa amarela” foi fechada pela policia e a Maria Pouca Roupa resolveu colocar a boca no trombone, e escolheu o armazém, para palco de seu discurso.
O que Maria disse de verdades naquele dia, deixou muita gente de cabelo branco e, menos de duas horas depois o Dr. Fugencio relaxava a ordem de fechar a “casa amarela”.
Nunca mais a policia chegou perto da casa de Maria Pouca Roupa, e Custódio nunca tremeu tanto como naquele dia, pois a Maria fez uma confusão tão grande no armazém, que em certo momento, não se sabia mais quem era da situação e quem era da oposição, pois Maria lavou a roupa suja, sem se preocupar, toda misturada, e foi difícil secar peça por peça.
Foi no armazém também que o Américo se escondeu, quando Melquito o pegou nu, na cama de casal, com a Ernestina e o jogou pela janela do segundo andar do sobrado, nu como havia nascido.
De certa feita o Paiva, dono do cartório, resolveu contar nas paginas do “diário”, as histórias do armazém, mas a coisa não durou muito, pois depois que o jornal publicou a primeira história, o Paiva apareceu com escoriações pela corpo, e desistiu da idéia.
No carnaval passado quase que acontece o fim do armazém do Custodio, pois um grupo de jovem, ligados à situação, que agora é oposição ao Pimenta, jogou uma bomba caseira no armazém bem quando tava todo mundo reunido para o papo diário.
Foi uma correria dos diabos!
Acabou levando dois para a farmácia do Juares, com escoriações pelo corpo e com um talho no olho do filho da Cremilda, que não tinha nada que ver com a história, apenas tinha ido buscar dois quilos de feijão mulatinho pra mãe e acabou quase cego do olho esquerdo.
Cremilda saiu em defesa do filho e por pouco o armazém do Custodio não é fechado permanentemente, pois a Cremilda, viúva do finado Jetulino, que antes de morrer havia sido prefeito por três vezes, fez o maior fuzuê com o acidente do filho, responsabilizando o Custodio pelo ocorrido.
A coisa foi tão feia, que até processo na justiça rendeu, e Custodio se viu em papos de aranha pra pagar a tal indenização, que o juiz determinou ser paga ao menor, que era arrimo de família”.
Cremilda, quando foi procurada pelo seu vigário, a pedido do Custodio, para um acordo, foi taxativa:
_Não tem acordo! Tá na hora destes cabras descobrirem que existe lei, e que é pra ser respeitada!
Foi assim que o Custodio quase perde o armazém.
O teria perdido se Dr. Pimenta não lhe adiantasse algum.

NUM HOUVE TEMPO

Maria era uma humilde do campo, que havia saído do sitio de seus pais com o casamento, e viera para a casa de seu marido, na cidade.
Casinha pobre, construída pelas próprias mãos, com três cômodos de alvenaria, com pintura de azul claro por fora, um amarelo indefinido por branco, com piso de vermelhão, que Maria acostumou-se a manter encerado. O casal, sem filhos, viveu naquela casinha, ao pé do morro, mais de dez felizes anos.
Cremente, marido de Maria, era pedreiro por conta, trabalhando somente por empreitada mesmo assim, nada faltava ao casal, pois Maria lavava roupa para fora e contratada foi para lavar roupas de um motel, que ficava na estrada.
O casal não possuía parentes, a não ser um ao outro.
Certo dia, com uma milhar, Cremente ganhou no bicho.
Foi uma festa, com bolo de fubá e refrigerante de garapa!
Naquela mesma semana, entrou na pequena casinha uma geladeira nova e uma TV à cores, coisas que Maria “namorava” a muitos anos.
_Viver só de juros, é pecado!
Diria Maria, quando Cremente lhe contou que o gerente do banco, onde aplicou o dinheiro, avisou-lhe que o juro mensal da aplicação, dava mais do que o dobro do que eles ganhavam por mês, trabalhando de sol à sol.
Em poucos meses, só com os juros, conseguiam o suficiente para comprarem um bom terreno na beirada da estrada.
Alguns meses depois, Cremente começou a construção da nova casa, feita com bom material e no capricho!
A nova casa ficava frente a curva da estrada, no final de uma ladeira.
Possuía um bom quintal na parte, onde Maria montada uma pequena horta, de onde tirava as verduras para o dia à dia.
Nada faltava ao casal, pois o capital estava bem aplicado e os juros, lhes dava uma boa renda.
Num sábado pela manhã, Cremente resolveu dar uma boa limpeza na horta e Maria resolveu ajuda-lo pois gostavam de ter longas conversas.
No alto da ladeira, antes da perigosa curva, uma carreta com grande peso, perdeu os freios.
A carreta, desgovernada, não pode fazer a curva....
Não houve como evitar....
O quintal da frente da bela casinha foi destruído.....
Não houve tempo para fugas......
Não houve tempo para nada.......

NA RUA DA FORCA

O bairro da forca ficava distante...
_Longe pacas!
Como dizia Clementino, quando perdia o ônibus e tinha que voltar do serviço “solando asfalto “
La nunca existiu calçamento oficial, pois nem o bairro tinha oficialidade, visto que era um amontoado de casebres, feitos em mutirão, em um terreno de invasão, que o proprietário a tempos tenta retomar.
Clementino, antes de morar no bairro da forca, vivia mudando de ponte em ponte, com a mulher e os meninos, visto que era um dos milhares de “sem teto”, que enfeitam as cidades grandes.
Diz Clementino que sua vinda para o bairro da forca foi comum milagre, pois ao meio dia estava sendo despachado da ponte e, na mesma noite, conseguira dar à família um teto, que já era seu lar a uns bons quatro anos.
_Pra quem quer teto, para ter pão, mutirão é a solução!
Não cansa de repetir o bom Clementino, quando tem oportunidade.
Nasceram ele, a mulher Rosa, e os três meninos, na caatinga do nordeste da Bahia.
Vieram para o sul, procurando melhores dias.
Clementino, embora não escreva uma única palavra, é pedreiro de mão cheia, e não lhe falta vaga, nas construções da cidade grande mas, sem estudo, ganha salário mínimo. Daí, como vai pagar aluguel?
Rosa, para ajudar o marido, “pilota tanque” para quem pode pagar, e levanta outro salário, quando muito!
Com cinco bocas para sustentar, sobra pouco para o aluguel e Clementino nada mais pode fazer, a não ser procurar qualquer abrigo por família.
Primeiro, foram as pontes e viadutos.....
Agora, o barraco de zinco...
Quando subia a rua de casa, que não e nem uma rua, mas uma picada, cercada de matagal e pequenos casebres de madeirite, com coberturas de zinco com luzes de lampião à querosene, como a embelezar a escuridão, Clementino deparou com algo estranho: um papelzinho dourado, com umas listas e uns números, que Clementino não sabia ler, não sabia dizer também o que era, mas abaixou-se e pegou o papel, colocando-o no bolso da camisa.
Não se podia classificar Clementino de ignorante, pois embora analfabeto, tinha lá seus dotes de esperteza. Guardou, portanto, com muito cuidado, o papelote colorido.
Quando o despertador avisou que eram cinco da manhã, Clementino já levantou pronto, pois dormira vestido.
Apalpando o bolso da camisa, constatou que o pequeno papelote ainda estava lá.
_Hoje descubro o que é isso!
Pensou ele com seus botões, enquanto requentava o café, que Rosa fizera na noite anterior, e dele tomava um gole.
Fazia já algum tempo que o tal do sindicato tinha conquistado vale refeição, e isso tinha conseguido evitar que Rosa tivesse que levantar as três da manhã, para fazer a bóia do marido, como antigamente.
Clementino já conseguia dar a esposa algum sossego, e isso lhe fazia bem.
Após o beijo costumeiro na esposa e nos filhos, saiu o pai de família para o escuridão, em busca do sustento.
À hora do almoço, passou ele pôr uma casa lotérica.
Na porta , viu ele alguns bilhetes em exposição.
Será que aquilo é um tal destes bilhetes? Que o Joaquim da Carminha vive comprando ?Como será que funciona este treco?
Pensou Clementino, enquanto entrava na casa lotérica e pedia explicações para a funcionaria.
Após as explicações, Clementino enfiou a mão no bolso da camisa e, com muita dificuldade, foi conferir o tal papelote.
Naquela tarde, a casa 98, onde morava Rosa, os meninos e o pedreiro Clementino foi esvaziada.
A família voltou para o sertão da Bahia, onde Clementino montou casa, um pequeno bar com petiscos e colocou os meninos em boa escola.
Rosa nunca mais pilotou tanque, pois o bilhete, que Clementino encontrou na rua da forca, estava premiado pela loteria federal.

MACHADO

O morro do pepino já havia passado por muitas situações, e a comunidade já acostumara-se a encontrar corpos sem vida, em terrenos vazios.
Já estavam acostumados a enfrentar o medo de balas perdidas, quando a policia resolvia trabalhar um pouco, e invadia o barraco do Machado, procurando dar a voz de prisão ao coitado, só por causa de seu meio de sobrevivência: vender um pó branco, parecendo talco, para uns bacanas que, vez ou outra, subiam o morro.
A policia não gostava do Machado, mas ele era querido e respeitado no morro do pepino, pois não havia sido o Machado que conseguiu o dinheiro para enterrar dona Gestrudes, que resolveu morrer logo na hora que o filho, desempregado, estava sem nenhum no bolso?
Foi o Machado quem providenciou tudo, e não esqueceu nem da pinga e o café para o velório.
Foi ele também quem ajudou Maria Dorotéia, quando o marido dela, pai de dez filhos, fugiu com a loira falsa da Clara Maria, deixando a pobre da Dorotéia sem nenhum para cuidar dos filhos.
Machado, ao saber da situação, deu ordem ao Onofre, dono do armazém, para que não faltasse nada na dispensa de Dorotéia. Teve uma conversinha ao “pé do ouvido” com o dono do barraco, onde vivia a família, e nunca mais Dorotéia teve que pagar aluguel.
É certo que se comenta que o Machado, vez ou outra, dorme no barraco de Dorotéia, mas é apenas um boato sem fundamento, obra de quem não tem o que fazer.
Machado é querido por todos1
Nasceu, ali no morro mesmo, na casa do velho Machadão, que tinha já cinco filhos, quando sua mulher pariu Machado.
Quando o menino tinha lá seus doze anos, Machadão teve um enfarte, ao ver a mulher aos beijos e abraços com um tal de Olavo.
Machadão foi desta pra melhor, deixando seis filhos órfãos .
A mãe, ficou sem amante também, pois o pequeno Machado, dois dias depois da morte do pai, pegou o tal do Olavo distraído, numa das subidas do morro, e abriu-lhe a cabeça, com o machado de cortar lenha.
A mulher, ao ver o amante morto, enlouqueceu, sendo internada e vindo a falecer, anos depois.
O pequeno Machado não quis ir, como os irmãos, para a casa de parentes e a comunidade do morro o adotou. Passou a viver na casa do seu Amarildo; na casa do Nicanor ou na pensão de dona Euclastia.
Quando Machado estava com seus quinze anos, Nicanor foi morto por um PM bêbado.
Machado sumiu, após o enterro do amigo, e só reapareceu dois meses depois.
O morro ficou sabendo, por comentários, que Machado mandou o PM bêbado pra “cidade dos pés juntos”, em frente ao batalhão da PM, e o fez com o revolver do defunto.
Daquele dia em diante, Machado não teve mais sossego, pois vez por outra a Policia Militar sobe o morro, tentando colocar-lhe as mãos.
A comunidade, ao seu modo, o protege como pode, e Machado retribui a proteção, pois no morro do pepino não há roubo.
O ultimo morador do morro que foi roubado, foi o Zé Padeiro, que teve um encontro desagradável com um delinqüente armado, na subida do morro, perdendo no ato o relógio e a carteira, com a féria da padaria.
Machado ficou sabendo do caso pela boca da vitima, e ficou vermelho que nem pimentão maduro:
Vinte e quatro horas depois, batia Machado à porta de Zé Padeiro. Trazia, em uma das mãos, o relógio e a féria roubada.
Na outra mão, Machado trazia um presente ao amigo: as orelhas do delinqüente!
Isso aconteceu a uns três anos atras.
De lá pra ca, o morro do pepino é lugar seguro, tanto que os barracos dormem de janelas abertas e os pais de família tem a certeza que o pouco que têm não lhes será roubado, pois Machado e à lei no morro do pepino.
Machado também pensa nos pequenos, e arrumou terreno, onde levantou uma creche, com lugar para mais de cinqüenta crianças, que lá ficam, enquanto as mães trabalham fora.
A capela de padre Justino, em um vendaval, perdeu o telhado.
Machado, três dias depois, já estava na igreja, dando inicio as obras de reforma da cobertura e pintura da capela sem custo algum nem para a igreja, muito menos para a comunidade.
Padre Justino em agradecimento, mandou fazer uma placa de madeira entalhada e a colocou ao lado direito do altar, próximo à porta da sacristia, onde se lê!

“Com Machado no morro do pepino, governo não é necessário e a policia, só atrapalha”

A placa ainda esta lá, pra quem quiser confirmar.

INGRESSO CARO DEMAIS

O grande artista iria se apresentar na cidade, e aquele era o ultimo dia para a compra dos ingressos pois, para comprá-lo na porta, com certeza o preço dobraria, na mão dos cambistas.
Filomena e Onofre eram classe média.
Ele, empregado no escritório da usina açucareira, a mais de dez anos, recebia mensalmente um salário razoável, que dava ao casal certa tranqüilidade, permitindo moradia digna e mesa farta.
Filomena, desde mocinha, era balconista de confiança da única loja de grande porte da cidade, e lá já estava a muitos anos, com um salário compatível com a responsabilidade, e justo era querer estar entre os poucos casais que iriam prestigiar o renomeado artista, cujo ingresso estava na faixa de dois salários mínimos por pessoa.
Onofre, ao saber quanto desembolsaria pelos ingressos, achou um absurdo cobrarem tanto por uma única apresentação, mas como Filomena queria ir, sacou do talão de cheques e pagou os quatro salários mínimos, pois raramente Filomena lhe pedia algo.
Naquela tarde, horas antes da “grande noite”, Filomena se produziu para o evento, com unhas feitas no salão e cabelo escovado pelo mesmo profissional que cuidava do cabelo da esposa do prefeito, que cobrava os “olhos da cara”, por uma simples tesourada, mas valia a pena.
Na hora marcada, lá estava o casal, em meio à elite da cidade, impecáveis no trajar, ostentando nas mãos os ingressos, comprados a um preço absurdo.
Sentados em seus lugares, aplaudiram até a ultima canção do renomeado artista.
Enquanto isso, na casa do casal, o telefone não parava de tocar!
Lá pelas duas da manhã, voltou o casal à residência logo depois tocava o telefone.
Era Benjamim, irmão de Onofre, avisando da morte do pai, acontecia à meia-noite.
Onofre voltou ao carro e, minutos depois, estavam na casa do pai, na cidade vizinha.
Ao abraçar a mãe, Onofre escutou:
_Filho! Teu pai te chamou das nove a meia-noite! Estávamos te telefonando desde as oito! Onde estava?
Onofre não respondeu
Nunca mais o casal compareceu a um espetáculo qualquer!

INDUGÊNCIAS

Nos antigamente, como hoje, os dogmas e ensinamentos da igreja, tem poder inacreditável na mentalidade dos humildes.
Em certas cidades de Minas Gerais, este poder ganha tal força, que as pessoas levam cada palavras ditas como verdade e a igreja, por sua vez, tira seu proveito.
Assim foi o que aconteceu, quando um punhado de freiras andou pela zona da mata mineira, oferecendo indulgências ao povo.
Segundo o que as freiras atestavam, quem adquirisse as tais indulgências, tinham o perdão dos pecados, cada indulgência, dava perdão a um pecado, no purgatório.
Uma das filhas de Marta de uma cidadezinha próxima à Viçosa, para facilitar a vida ou a morte, comprou um punhado das tais das indulgências e as colocou dentro de um saquinho de pano, ao fundo do guarda-roupa e, com a vida, esqueceu das tais indulgências.
Trinta e poucos anos depois, vítima de velhice múltipla, a Filha de Maria, após quatro anos de leito, veio a falecer, comovendo toda a família.
Aconteceu o que se esperava: ninguém se lembrou ou encontrou o saquinho de indulgências.
Após a missa de mês, numa reunião do centro espirita da cidade, lá estava sua neta mais nova, kardecista de carteirinha, colocando o nome da avô na mesa, para a esperada ajuda espiritual.
Em dado momento da reunião, a médium encarregada de transcrever mensagens, psicografa uma mensagem de São Pedro, dirigida a neta da anciã, reclamando da falecida.
Segundo São Pedro, a anciã estava comprando a maior confusão na porta do céu, a mais de um mês, se negando a pagar seus pecados, como manda a lei do criador pois, segundo a anciã, já estava com todos os pecados pagos, pois possuía em seu poder, indulgências suficientes para cobrir seus pecados, e não arredava o pé da porta do céu, ate que São Pedro aceitasse as indulgências, como pagamento.
São Pedro resolveu aceitar a palavra da idosa, mas avisava que não aceitaria a palavra de ninguém, a não ser que lhe apresentassem as tais das indulgências, à porta do céu, do contrario era purgatório sem desculpas.
Daquela dada em diante, alem de flores, muitos caixões dos moradores da cidadezinha, levava um punhado de papelotes, devidamente assinados pelo sacerdote da matriz.
Coisas que acontecem nas Minas Gerais.

HOMEM DE LAMPIÃO

Já fazia mais tempo do que a memória podia lembrar que o sol estorricava aquele pedaço do chão.
O capim, outrora abundante, hoje era apenas um amontoado de bolos de fios amarelinhos, que a brisa fazia dançar no descampado , sem destino certo.
As árvores, poucas ainda em pé, eram apenas um amontoado de gravetos, ligados entre si a um tronco sem vida .
Carcaças de animais, enfeitavam o que outrora havia sido pasto aqueles mesmos animais.
Quando a noite caia, o mormaço transformava-se numa brisa gelada que doía os ossos do mais forte dos homens.
No meio de tal “fim do mundo”, só os bravos conseguiam sobreviver.
Bravos como João Baldoino, que a uns bons vinte anos morava naquele local, em uma choupana de um único cômodo, onde procurava abrigo e isolamento, que lhe permitisse dar asas as suas recordações, que o faziam voltar ao tempo de seu ontem, quando tinha o mundo no seu horizonte e ninguém à ditar-lhe regras de conduta.
O tempo da recordação era do cansaço, onde o homem podia ser livre, ser macho, ser conquistador....
Tempo em que João Baldoino atravessava as planícies, tendo como companhia seu paralelo ao ombro, a garrucha na cintura e o facão, pendurado na bainha de couro cru.
João Baldoino era homem de Virgulino Ferreira, aquele a quem apelidaram de “lampião” e deram o título de “Rei do Cangaço”.
Hoje, no entanto o tempo era outro......
O cangaço já tivera seu fim.......
Iniciara seu fim no ataque da volante ao bando de lampião, onde foram para a tal da “cidade dos pés juntos” Virgulino, Maria Bonita e um bom punhado de valentes.
João Baldoino estava lá .
Quando a coisa chegou ao fim, Baldoino tinha um bala ao ombro, um corte profundo no braço esquerdo e uma raspança de chumbo na cabeça.
Os homens da volante, o pensando morto, deixaram-no ao deleite dos abrutes.
Quando voltou a si, Baldoino estava só......
Horrorizou-se com o que viu!
Viu corpos e mais corpos de companheiros espalhados, com sangue a manchas no solo do sertão como tinta.
Os homens da volante, quando Baldoino acordou, ainda cortavam as cabeças dos mortos!
Baldoino viu o volante cortar a cabeça de Maria Bonita e desesperou-se com o horror daquela cena!
Percebeu que logo seria a sua vez e, ao descobri-lo vivo, testemunha da barbaridade que faziam pôr certo os volantes o matariam.
Quase sem poder mover-se, arrastou-se para um local seguro, longe dos soldados, e esperou.
A noite chegou e, com ela, partiu a volante.
João Baldoino, enlouquecido pela dor, adormeceu.
Ao acordar, estava na casa grande do coronel Joaquim Lourenço, amigo de longa data do compadre Virgulino.O coronel lhe deu abrigo e trabalho, e hoje Baldoino vive do recordar, pois só lhe resta a recordação dos bons tempos, quando macho era macho, liberdade tinha preço e o paralelo, ditava a força do sertão.

CANGRENA

Infelizmente era verdade: Orlando Bola Sete estava morto, e ninguém podia fazer nada, a não ser rezar um pouco e levantar um brinde ao velho amigo, que se não vivera como um homem de bem, morrera como um macho!
A história da morte do Orlando, tem que começar a ser contada uns vinte anos antes, senão, quem a escuta, sem saber o começo, não entende nada!
Orlando veio ao mundo numa sexta-feira da Paixão, enquanto o Padre da Matriz, fazia uma prece bonita sobre a morte do homem de Nazaré...
Mas não terminou a dita prece, pois teve que transformar a Sacristia em sala de parto, visto que a negra Sebastiana, resolveu dar a luz ali mesmo, no meio da missa, tendo o Padre, como aparador do rebento.
Ao apará-lo, para que não batesse a moleira no chão da Sacristia, o Padre fez a única besteira, que teve coragem de confessar em toda a sua vida: salvou Orlando Bola Sete de não chegar a ser nem bola, quanto mais um número tão alto!
Após tomar a bundinha negra do rebento, dois sonoros tapas, que ecoaram por toda a nave da Matriz, Bola Sete colocou a boca no trombone, e não fechou mais a "dita cuja"!
Eu já lhes contei que o Padre se arrependeu da besteira que fez, salvando o Bola, mas Seu Vigário, estava num daqueles dias em que levantou-se "inspirado para fazer burradas", e resolveu dar um presente para o pequeno Bola, que naquela época, não estava com o número tão alto como conseguiu alcançar com o tempo, mas isto não tem nada a ver com a história.
O que tem a ver com a história, é que o Seu Vigário, não se sabe ainda porque cargas d'água, resolveu "fechar o corpo" do garoto, e para mal dos seus pecados, o fez com água-benta!
Quando completou doze anos, brincando no bambual, uma cobra Jararaca, deu uma mordida na perna do filho de Sebastiana. Nêgo Orlando, apelido que já ganhara, entrou em febre de quarenta graus por três dias!
Nem Dona Joaquina, Mãe de Santo das melhores, filha de Oxum, não dava nada por sua vida!
No começo da noite do terceiro dia, Orlando sentou-se na cama, disse que estava com fome, e raspou um prato fundo de feijão com farinha de mandioca!
Com dezoito anos, entrou numa briga com João Unha-de-Fome!
Foi uma confusão que durou três horas, de onde Bola Sete saiu com um punhal gravado ao peito e o João, com caixão, encomendado pela Promoção Social...
Passou ele oito dias, entre a vida e a morte, na cama de casal de sua mãe, que rezava vinte e quatro horas por dia...
Ao fim do oitavo dia, Bola Sete abriu os olhos, pegou o cabo do punhal e o arrancou do próprio peito... O corte fechou em duas semanas!
Na semana passada, bêbado de cair, Bola Sete teve uma discussão com o Seu Vigário, por causa de "Maria Perna Torta", prostituta das rameiras, que o Senhor Vigário, resolveu não permitir que entrasse na Igreja para a reza das sete, vestindo aquela sua famosa saia, que os meninos do Colégio já havia apelidado de "Abajur de Nádegas", porque a professora disse que "bunda" era palavrão!
Nêgo Orlando, com a "cara cheia", resolveu defender a rapariga, e chamou Seu Vigário de vários e sonoros palavrões cabeludos, inclusive ofendendo a honra da santíssima progenitora do Vigário, que obediente às leis da Igreja, não respondeu à altura, limitando-se a dar um banho de água benta no embriagado ofensor...
Ontem Bola Sete morreu, vítima de gangrena no pé esquerdo, cujo começo foi uma picada de marimbondo, que o Nêgo Orlando Bola Sete nem ligou para cuidar!

FILHOS

A menina completava doze primaveras e já não mais se sentia uma criança, como seus irmãos. Dentro da naturalidade da seus doze anos, já começava o ver o mundo à sua volta com outros olhos. O olhar da adolescência, que a fazia mudar de fantasias, de esperanças, de sonhos.
Pouco brincava com sua coleção de bonecas, pois agora eram outras as suas prioridades. Agora eram agendas, foto de artistas, adesivos para roupas e outros coisas da idade critica, que a menina não e mais uma menina, ainda não e uma moça e pensa em ser mulher.
Trocar-se diante do pai? Nem pensar! Já lhe nascia o pudor. A vergonha de mostrar seu corpo, embora ele ainda estivesse em formação.
O pai {como todo pai) ainda a via como uma menina, que a poucos meses atrás ainda se trocava sem fechar porta do quarto, ou pedia para o pai fechar o zíper da calca, pois era duro de mover.
Agora, a presença do pai nestes momentos, fazia a garota corar e pouco falava com o pai agora. Não raro, cochichava ao ouvido da mãe, dizendo ser “coisa de mulher”, assuntos que, no ontem. falava abertamente frente ao pai.
Agora eram “coisas de mulher”, como seu pai, que ainda era o mesmo, de uma hora para outra, se tornasse um estranho.
Não mais procurava o colo do pai, como antigamente, e raramente lhe pedia algo, que agora sabia das coisas pela mãe, quando esta se lembrava de contar.
Vez ou outra, as duas irmãs se estranhavam”, e era uma dificuldade para a mais nova entender que a irmã já não era mais uma menininha...
Era, quase uma moça!
Ate os beijos, que o pai recebia, não eram freqüentes e melosos, como no antigamente.
Foi assim, neste clima de mudanças radicais, que a ex.- menina, quase mocinha, encontrou o seu primeiro namorado e a situação, pois a primeira paixão se tornou presente no coração e no sentimento da “menina moça”, ela não sabia muito bem o que acontecia.
Em meio a tudo isso, a natureza resolveu se manifestar, e a menina tornou-se freguesa da farmácia, de “28 em 28 dias”.
Agora, a menina era moca, quase uma mulher, e seu mundo tinha inicio com suas fantasias; seus medos; seus pudores e sua realidade.
O pai, como bom pai, longe estava de magoado, ao contrario; estava feliz, pois havia conseguido o quase impossível, pois a doze anos atrás lançara ao mundo real um ser humano completo, ou quase completo, e aquela menina que lhe sentava aos joelhos, pedindo histórias e dormindo antes do final, agora estava quase pronta para o mundo, só faltando-lhe o polimento orientado.
Quando o pai comentou com a mãe, e esta explicou o que ainda vinha pela frente, o pai entendeu:
“Filho criado, trabalho dobrado”
E o velho pai voltou a se preocupar..

ESTELA

O chorar manso teve início nos primeiros raios do sol,. em frente a porta central do convento das carmelitas descalças,. logo depois de alguém bater forte na porta de madeira maciça, que lá estava a bons cinqüenta anos .
As bondosas carmelitas contavam que a porta havia sido doada ao convento pôr um carpinteiro de bom coração, cuja filha única viria a ser, mais tarde, noviça do convento, onde faleceu de tifo, na década de trinta.
A porta recebe, semestralmente, banho de imersão em querosene, vinagre e cânfora ,para não sofre ação de cupins e o Juvencio, quando a porta seca do banho de imersão, lhe dá três camadas de verniz. Foi o pai do Juvencio, hoje aposentado, quem começou a cuidar da porta, que possui em alto relevo, no mais puro entalhe, a imagem de Nossa Senhora, com Jesus morto ao colo. O engraçado disso tudo, é que os anais do convento não possuem registro do nome do benfeitor, que doou a porta .
O Choro chamou a atenção de uma noviça que veio atender as fortes batidas e, quando percebeu que no cesto de vime, enrolado em cobertores, estava uma criança, foi um verdadeiro reboliço no convento, pois, nunca havia acontecido algo parecido, naquele local santificado.
A criança, uma bela menina, parecia saudável, embora esfomeada, visto que logo depois que as madres a levaram para dentro, duas mamadeira de leite de cabra, que as bondosas freiras retiraram de sua mascote , tão logo viram a bonita menina.
Pôr mais que procurassem, as freiras nunca encontraram os familiares da menina, e foi ela criada no convento.
Aos quinze anos, conhecia todos os rituais das carmelitas e estava pronta, a pequena Estela carmelita de Jesus , a se tornar uma serva de Jesus , mas este não era seu destino, pois não possuía aptidão para servir a Deus.
Era vista a cuidar do pomar do convento, com a alegria estampada no rosto, mas quando se tratava de rezas e cânticos, seu semblante mudava.
Aquela não era sua vocação, e embora nada reclamasse, seguindo os rituais com perfeição, se percebia que não sentia se bem nas coisas da religião e o tempo se passou, com as madres mais idosas adiando a iniciação de Estela.
Ao completar dezoito anos, o convento a recomendou para um trabalho voluntário no hospital da cidade, e no contato com os doentes, Estela descobriu a medicina, a vocação que Deus lhe reservara.
Aos vinte e três anos, após sete anos de trabalho voluntário e uma faculdade de medicina, Estela recebia seu diploma. Era agora uma profissional da saúde , e quando teve opção de escolha do local onde queria prestar seus serviços, optou pelo atendimento aos pobres, e lá foi a agora doutora Estela Carmelita de Jesus assumir seu posto, no recém inaugurado hospital de leprosos, num dos bairros mais retirados da cidade.
Tendo o diploma como base clinica e a vida de então, como base de humanidade e humildade, doutora Estela levou pouco tempo para ser a mais estimada e respeitada pessoa daquele hospital pois, aos doentes, se dedicada pôr inteiro e sem reservas.
Passou a ser costume seu percorrer as enfermarias, leito a leito, altas horas da madrugada, para cobrir doentes, ministrar remédios, dar palavras de conforto aos aflitos, acompanhar famílias, na hora do desencarne de entes queridos.
Foram cinqüenta e oito anos de dedicação ao hospital de leprosos...
Com oitenta e um anos, já aposentada, ainda era sua rotina visitar, nas madrugadas, as enfermarias.
Numa destas madrugadas, doutora Estela não apareceu.
Alguma coisa acontecera....
Quando médicos residentes, preocupados foram ao seu quarto, para verificar se necessitava de algo , encontraram-na caída aos pés da cama, já sem vida.
A direção do hospital foi comunicada, e seu corpo examinado.
Estela tinha o corpo coberto pôr chagas.
A lepra dominava o corpo da bondosa doutora.
As únicas partes do corpo não afetadas eram o rosto e as mãos.......
A dor que deveria sentir, segundo os médicos, era algo insuportável ao ser humano!
Os especialistas comprovaram que a lepra estava no corpo a mais de quarenta anos, e nunca ninguém escutou Estela dar um gemido, fazer uma reclamação, colocar um medicamentos no próprio corpo.
O corpo clinico do hospital financiou a construção de uma capela no próprio hospital e, abaixo do altar , foi depositado o corpo de Estela, sob a laje, foi colocada uma placa, onde se lê:

“Em memória de quem deu a vida ,
E a morte, para o bem de seu próximo!”

Todos os meses , na data da morte de Estela , o convento das carmelitas reza missa na capela em memória de Estela Carmelita de Jesus, sua filha.
Neste dia, o corpo clinico do hospital faz, anualmente, doação de duas toneladas de alimentos as pessoas mais carentes, em nome de Estela que já tornou-se nome da ala infantil do hospital.
Dizem, os funcionários do período noturno, que uma senhora toda de branco, com um aparelho de escute ao pescoço, visita as enfermarias.
Vários médicos testemunham que, vez ou outra, sem explicação, são levados a doentes terminais que nem conheciam anteriormente .
Com o correr do tempo, se tornou tão comum estes fatos, que hoje e procedimento normal atender a tais chamadas, com a mesma dedicação dos chamados oficias das enfermarias.
No convento, as coisas não são diferentes, pois as freiras relatam que e comum verem Estela, cuidando do pomar ou adubando o roseiral.
Quem explica?

quarta-feira, junho 27

EPIFÂNIO

Naquela cidade, diversão era luxo de poucos, coisa pra gente de posição, que podia “jogar dinheiro fora”, como dizia seu Epifânio, que criara doze filhos, no rigor do trabalho.
Diversão, de fato, era luxo de poucos na pequena cidade, rodeada por pequenos sitiantes, como Epifânio.
Nada fazia Epifânio sair de casa, a não ser uma coisa: o chegar de um circo na cidade!
Quando a grande lona era montada, no terreno do lado da igreja, a cidade se modificada, ganhava vida e movimento, com crianças correndo de um lado para outro, tentando encontrar maneira de ver os artistas e os animais.
Quando, na manhã da estreia , o espetáculo era anunciado por toda a cidade, com cortejo dos artistas e dos animais, parecia que a cidade renascia.
Nestas ocasiões, Epifânio lavava os pés no riacho do sitio, colocava o terno de Domingo, passava brilhantina no cabelo e lá ia ele e a família, para a grande fila frente a entrada do circo.
Quando se iniciava o espetáculo, os olhos do velho Epifânio brilhavam a cada número!
Quando o palhaço aparecia, entretanto, Epifânio sentia as lágrimas rolarem em sua face.Nesta hora, Epifânio era outro homem, que se deixava levar

DIA DA ELEIÇÃO

Panfletos de propaganda eleitoral manchavam a cidade, transformando cada de suas principais avenidas em um tapete de papel picado.
Eram os chamados “santinhos”, de todas as cores , tamanhos e tendências, pois a câmara municipal ia renovar-se e o todo poderoso prefeito deixava a cadeira, coisa que levou um punhado de “bons cidadãos”, e outro punha de novo “não tão bons assim”, a concorrerem aos cargos vagos.
Era uma verdadeira “salada de frutas partidária”, pois nada menos que seiscentos possíveis candidatos lançaram-se na disputa, era um candidato para pouco mais de duzentos eleitores, quando isso.
Um por cento, ou mais da população, estava diretamente envolvida na eleição. Indiretamente, acabou se envolvendo o restante, e a cidade ganhou movimentação nunca visto!
Geraldo da Rosa, que tinha esse nome por estar casado com Rosa Adelaide, a eterna miss da cidade era o dono do Bar Sport, onde a oposição fazia o seu quartel general, e foi no bar do Geraldo da Rosa, que tudo começou.
Miguel Borboleta, o vendedor de bilhetes da federal, que também era “escrevinhador” do bicho, foi agredido fisicamente pela “turma da situação”, no comissão da praça, e baixou no Bar Sport, depois do acorrido, com enorme hematoma no rosto, além de vários arranhões pelo corpo, contando sua história, para quem tivesse paciência de escutar.
Geraldo da Rosa , um dos “cabeças” da oposição acabou por pegar as dores do borboleta e, juntando-se com uma meia dúzia, foi atrás dos agressores.
O encontro dos grupos, aconteceu em frente a igreja matriz, com o sol à pino.
Foi uma pancadaria dos diabos, pois até Maria da Foice se meteu, e acabou com fratura exposta na perna direita, e deu início a outra briga, pois sendo a Maria dona da “casa das tias”, reduto do baixo meretrício, o Álvaro da farmácia, única autoridade no ramo da saúde em toda a cidades negou a acudir a perna sangrenta de Maria da Foice, e a pancadaria recomeçou agora entre os amigos de Maria e os amigos do Álvaro, que acabou atendendo a ferida, pois o José das Dores deu fim na briga, com um tiro de doze, que disparou no forro da farmácia, ameaçando “estourar” a cabeça de Álvaro, se não atendessem Maria, como ela merecia e necessitava.
O Álvaro percebendo que o Zé falava sério, atendeu a Maria, mas o fez de tal má vontade, que a pobre nunca mais andou direito, ficando com a perna torta.
Quando a turma saiu da farmácia, para levar Maria para seu “palácio”, a coisa esquentou novamente.
A praça pegou fogo, pois as “mães de família” da cidade não gostaram nada de verem seus “santos maridos” defendendo Maria da Foice, e a coisa esquentou.
A confusão se generalizou, com marido apanhando de frigideira, pau de macarrão e cabo de guarda chuva.
Quando deu cinco horas, foi que o Geraldo da Rosa se lembrou que ainda não havia votado, e foi uma correria dos diabos até o local da votação, com “empurra - empurra” na fila e outras coisas, que nem e bom falar.
Dr. Marcolino, o juiz eleitoral, diante da confusão formada, deu ordem para se prolongar por meia hora a eleição, e ai o tumulto se generalizou, pois a situação armou o maior banzé contra a decisão de Dr. Marcolino.
A eleição ganhou novo aliado: o desrespeito a lei, pois Dr. Marcolino errou, e a situação errou também, sem falar no Geraldo da Rosa, que berrava que nem um desesperado , defendendo seu direito de votar fora da hora legal.
Seis horas da tarde, seu Lindolfo, chefe dos correios, trouxe um telegrama.
O Tribunal Eleitoral da capital do Estado, diante do ocorrido, anulava a eleição na cidade.
O resultado foi uma briga bem maior!
Foram três dias de confusão generalizada, com saldos negativos para todos os lados!
Dr. .Marcolino respondeu processo de crime eleitoral; Geraldo da Rosa foi preso, por desacato à autoridade, pois deu um murro no sargento Custódio; “vai de valsa”, bêbado enveterado da cidade, foi enternado com trauma alcóolico, por comemorar a vitória de ninguém; Miguel Borboleta teve que vender a casa , do alto do morro, para pagar o prêmio da milhar, pois na confusão, esqueceu de passar a banca o jogo que João das Coves mandou “escrevinhar”, e o João acertou na cabeça, no terceiro prêmio; Masculina Cavadão, filha da Maria da Foice, resolveu “tomar as dores” da mãe, e deu um surra “de criar bicho”, no Álvaro da farmácia.
Dona Masculina, do Açougue Pé de Vento, o único da cidade, não contente com a confusão que ajudou a armar, frente a matriz, pegou o marido desprevenido e rachou a cabeça do pobre, com uma perna de boi, levando o pobre para a UTI do hospital da cidade vizinha.
Na confusão, o vigário da matriz esqueceu de ir até o leito de morte do Analecto, que foi mordido pelo cachorro do Horácio e contraiu raiva.
O pobre acabou morrendo sem extrema-unção!
Maria das Dores funcionaria da coletoria estadual, foi pega sentada no colo do chefe e acabou perdendo o emprego, por atos imorais, tendo que pedir abrigo na casa de Maria da Foice, pois seu marido a expulsou de casa só com a roupa do corpo, causando forte comentário em toda cidade.
O Juarez, dono do posto de gasolina, com a confusão, resolveu fechar o posto mais cedo e ao voltar para casa, fora de hora, encontrou a Joana , sua mulher, só de calcinhas como Marcondes, na sala de estar, no maior carnaval.
Com o susto e a emoção, de se descobrir “corno” coisa que a cidade toda já sabia, menos ele, o Juarez caiu para traz mortinho da silva, com enfarte fulminante.
Como se não bastasse a Carlota, filha do Horácio, o dono do cachorro que mordeu o Analecto, recebeu a noticia de gravidez precoce.
Na altura de seus quinze anos, foi ela contar a grande novidade pro Zé, seu namorado. O rapaz, diante do fato consumado, perdeu as estribeiras e plantou a mão na Carlota, num surra que deu gosto, alegando que o filho não era seu. Carlota, em desespero, jogou-se na ribanceira do rio, sendo encontrada horas depois, com uma hemorragia dos diabos.
A cidade só voltou ao normal depois que o vigário, já recuperado do esquecimento da extrema-unção do Analecto, benzeu com água benta casa por casa.Só quem não quis a casa benzida foi dona Masculina, pois era filha de santo do terreiro de Pai Onofre, mas providenciou limpeza ao seu modo.

CONTAS Á PAGAR

O carro importado, com emblema famoso junto ao cofre fronteiriço, parou na avenida movimentada do centro, obrigado pelo sinaleiro, que mudara de cor.
O motorista, rapaz ainda, aproveitou a parada para fazer uso de seu celular.
Não percebe o aproximar de estranhos que em instantes, estavam encostados à porta do veiculo.
_É um assalto, moço!
Falou um garoto com roupas comuns, surradas pelo tempo, não aparentando mais do que seus doze anos, apontando ao motorista um Táurus, calibre 38, carregado.
_Você esta brincando, garoto? – Disse o rapaz, não acreditando no que acontecia.
_É um assalto moço! –Repetiu o garoto, apontando a arma _ O que tem ai pra mim?
O motorista colocou a mão na maçaneta e empurrou à porta contra o corpo do menino.
Com o tranco, a arma dispara, e o filete de sangue corre do peito do motorista, que tomba para o banco do carona, enquanto o assustado garoto corre pela avenida, levando a arma.
No final da tarde, enquanto o rádio e a TV dão a noticia da morte, em plano avenida, do jovem e promissor executivo, o garoto sobe o morro e, com cara assustada entra no barraco onde lhe espera a mãe, seis irmãos menores e o pai, que visivelmente embriagado, lhe pergunta.
_Então? Quanto conseguiu hoje, garoto?
_Nada! O moço reagiu! - Respondeu o menino, assustado.
A mão do alcoólatra estalou no rosto do menor com tamanho fúria, que um filete de sangue escorreu da boca do pequeno infrator.
_E porque você não limpou o cara? – Perguntou o pai, em fúria.
_Fiquei com medo! - Respondeu o menor, limpando o sangue.
Novo tapa, e outro filete de sangue escorreu da boca do menino, manchando a camisa encardida que vestia.
_E agora? – Disse o alcoolizado pai –Como vou pagar a conta do boteco?
O menino, passando a mão no rosto, saiu pela porta do barraco e sumiu, na escuridão do começo da noite.
Seis meses depois um menino, o mesmo garoto, é manchete na TV.
“Menor é baleado por PM, durante assalto em coletivo”- Diz o locutor do noticiário, que mostra o corpo sem vida do menino.
Ao ver a imagem, na TV preto e branco do boteco do morro , um freguês, grita
_“ Mataram meu filho!”
O dono do botequim, virando-se para um outro freguês, diz:
_É... Mas uma conta, que não vou receber! Coisas deste pais!

COISAS DA ECONOMIA

_Qual é o preço da banana moço?- Perguntava uma freguesa ao feirante.
_Depende, minha senhora! – Respondia o comerciante.
_Depende do que?
_Ora, minha senhora, do dólar!
_Mas eu quero a banana....não caviar russo!
_Pois olha, ontem, este tal de caviar estava mais barato do que a banana, num sabe?
_O senhor esta curtindo com a minha cara?
_De maneira alguma, freguesa! É que a banana, ontem, estava cotada a três dólares, e o tal do caviar, valia dois e oitenta!
_Isso é um absurdo!
_Também acho, dona!
_Quanto vale, hoje a dúzia desta “preciosidade”?
_Deixe-me ver.... três dólares e quarenta e cinco....
_Tá muito caro!
_Também acho!
_Vou levar maçãs!
_Nacionais ou argentinas?
_Nacional, que é mais barata...
_Não, minha senhora!
_Não o que?
_A argentina, pela cotação, tá mais barata hoje!
_É um absurdo!
_Também acho!
_E quem resolve?
_E eu sei lá ??!!
CLEMENTINA.



Clementina vivia isolada em uma casinha ao pé da serra, sobrevivendo de pequenos serviços e do que conseguia tirar do pequeno de chão, entre a casa e a serra, onde plantara uma pequena horta e alguns vegetais.
Seus pais haviam falecido de lepra, e a jovem Clementina foi isolada pela vila, com medo da doença.
Clementina, embora filha de leprosos, não desenvolvera doença alguma, mas mantinha-se em seu canto, ao pé da serra, preparando pequenos serviços a quem lhe procurasse .
Seu sorriso era franco, aberto e humilde, e cativava todos com quem tratava.
Desde muito jovem aprendera a arte do bordado em linho, e era a melhor bordadeira da região, visto que seus trabalhos estavam nas melhores casas da cidade, e recebia encomendas de todo o estado.
Esta era a sua maior fonte de renda.
Alem dos bordados, Clementina ganhara fama pôr suas “garrafadas” feitas com ervas medicinas de seu próprio cultivo, que serviam para diversas doenças.
Não havia sido uma “garrafada” de Clementina, que colocara novamente em pé o marido de Das Dores, de quando se rendeu, levantando saca de cimento, ainda na construção da casa nova?
Também não havia uma garrafada sua, feito à filha de Marcolina, colocar pelas urinas as pedras, que o doutor Marcos teimava em operar ?
E quando o Juvencio pegou aquela infecção nos pulmões, não foi Clementina e suas garrafadas que o colocaram novamente respirando com normalidade ?
Foi Clementina também que deu cura na tosse do vigário, que carregava aquela rouquidão já fazia tempo
Clementina era assim desde menina......
Logo aos dez , já se prontificava a ajudar, e foi com quase treze que ajudou no parto do filho da Gertrudes , que nasceu virado.
Pois Clementina contrariando às ordens de doutor Inocencio, pai do doutor Marcos já falecido, sentou-se na barriga de Gertrudes e só então nasceu o menino .
Agora, Clementina não mais se aventura, pois já esta na beira dos oitenta, com fortes dores pela corpo.
Pôr certo ainda faz seus bordados e mistura suas garrafadas, mas não se aventura a fazer o que fazia quando moça, pois a idade não lhe permite.
Nunca casou a Clementina .
A única companhia que possui e um gato de nome Germano, que criou desde pequeno.
No ultimo sábado, sentiu fortes dores no peito, e pensou que ia para o outro lado, mas tomou chá de boldo e sentiu-se melhor.
Horácio, como faz todos os dias, chegou no casebre de Clementina no final da tarde, e sentiu algo estranho.
Chamou Clementina, mas ela não lhe respondeu .
A porta da frente, como sempre, estava só encostada, mas Clementina não estava lá.
Horácio foi encontrá-la estendia embaixo do pé de manga, tendo Germano deitado ao seu lado.
Clementina estava morta !
Na mão direita, preso entre os dedos, portava ela um terço de contas com pequeno crucifixo.
No peito dos pés, tanto no esquerdo como no direito, Clementina possuía uma ferida em forma de furo, de onde ainda brotava um filete de sangue.
Na palma das mãos, o mesmo ferimento .
Na testa, pouco acima dos olhos, se podia ver uma fileira de furinhos, todos brotando sangue .
Horácio, assustado, não tocou no corpo .
Quando o vigário chegou, e viu o que Horácio lhe mostrou, postou-se junto ao corpo e puxou as orações em terço, que Horácio procurou acompanhar.
A cada pedaço do terço, o corpo se compunha .
Primeiro foram as chagas dos pés, que se fecharam.
Depois foram as chagas das mãos e, pôr fim, sumira os pequenos furos da testa da anciã.
Clementina ganhou uma serenidade absoluta, e o corpo, que estava gelado, voltou a quentura normal como se vivo estivesse .
Parecia que Clementina havia suspirado a poucos minutos, e já se passara horas.....
Seu corpo ganhou sepultura cristã e até hoje de seu mausoléu brota um vazamento de água doce, com gosto de manga que os crentes recolhem em pequenos vidrinhos.
Corre notícia que o líquido recolhido da sepultura tem cura certa para várias doenças , se usado com esperança e fé .
Horácio, na data em que se comemora a morte de Clementina não pode sair de casa .
Seus pés ficam roxos, com cor de sangue pisado, e as mãos ganham a mesma tonalidade .
Horácio sente dores por todo o corpo, e não encontra ânimo para nada.
No primeiro ano da morte de Clementina, bem no local em que seu corpo foi encontrado, sem mais aquela, pegou fogo no casebre ao pé da serra.
O mais estranho e que a horta e o pomar, nem sequer foram atingidos pela fumaça.
Explicação ? Para que ?

ASFALTO

O prefeito da pequena cidade, eleito faziam menos de dois meses, enfrentava como podia a cobrança da população, tendo em vista suas promessas de campanha.
Prometera sem pensar nos conseqüências, que iria asfaltar cem por cento da cidade, mas esqueceu de que os cofres da cidade não tinha recursos, para a obra de asfaltar a cidade.
As cobranças do povo, no entanto, eram constante e direito, não dando trégua nem ao prefeito e nem aos seus assessores, e a coisa já estava incomodando o bom andamento da administração, pois nenhum funcionário da prefeitura podia circular pela cidade, sem ouvir as cobranças pela promessa feita.
De certa forma, a cidade tinha lá suas razões, pois o Juvenal, motorista de taxi, comprou um carro usado do Mário Quitandeiro.
No registro , mandou colocar a cor do carro, ou seja: mostarda, e assim foi feito o registro oficial, só que o Juvenal não falou com o Mário, quando fez o documento.
Na primeira chuva que caiu, pesada como sempre, o Juvenal descobriu que havia cometido um erro, pois o carro era bege, e não mostarda. A “mostarda”, era poeira, do barro vermelho que é , em seu todo, o calçamento da cidade.
Ninguém sofre mais com isso do que a Maria do Juarez, que depois da morte do pobre, sustenta os filhos como o lavar de roupa pra fora.
Já perdeu a conta das roupas que, do varal, voltaram para o tanque por causa do pó, que levanta da rua, quando um carro passa.
Certa manha, um matuto bem intencionado, encontrou-se com o prefeito na porta da prefeitura, e logo foi dizendo:
_Olha, eu tenho cá uma idéia, que vai resolver todos os problemas da cidade!
_Que idéia é esta? - Disse o prefeito.
_Uma idéia para asfaltar, praticamente de graça, toda a cidade!
_Ora, amigo, a cidade não tem dinheiro! Respondeu o prefeito.

_Mas, para asfaltar, não é necessário gastar dinheiro nenhum!-
respondeu o matuto.
_Como assim? Perguntou o prefeito, curioso.
_Ora, vamo asfaltar a cidade com a bosta de boi, ora! -respondeu o matuto, serio.
Foi uma gargalhada geral, entre os assessores do prefeito, que o acompanhavam.
O matuto, magoado, saiu, prometendo mostrar o que dizia.
Uma semana depois, um caminhão despachava à porta da prefeitura, uma mistura estranha, feita de bosta de vaca, capim seco, água e um quarto de cimento comum, e o matuto acompanhado por dois amigos, espalharam aquela mistura na rua de chão batido, alisando muito bem tudo. Em duas horas, a rua frente a prefeitura não tinha mais nem um centímetro de barro a vista e não havia mais uma poeira levantando do chão.
Quando o prefeito chegou, o matuto disse:
_Não falei? Asfaltei a rua e não custou nada pra cidade!
_Mas esta fedor? Perguntou o prefeito.
_Ora!- falou o Matuto _ eu prometi o asfalto, e cumpri! Não falei que seria um asfalto com odor de rosas!
Quem mandou o prefeito não saber fazer promessas?
ABAIXO A LEI INJUSTA

O povo havia invadido a praça central da capital do estado , em uma grande manifestação contra o aumento descontrolado da carestia , pois o povo fugia do comércio , e muitos médios comerciantes fechavam seus estabelecimentos , pôr falta de clientes.
O povo , como sempre , decepcionado com a falta de ação dos responsáveis pêlos poderes constituídos , invadia a praça pública , numa pacifica manifestação popular .
O presidente do sindicato do comercio varejista , com uso do megafone , em meio a palavras de ordem dirigidas a população , acusava pela carestia reinante a tal lei , e suas conseqüências .
O ato popular durou o dia inteiro .
Manoel Antônio dos Prazeres era um homem honesto e simples , que nascera e vivera sempre numa cidadezinha ao norte do estado , lá constituindo família e bens .
Pôr sua honestidade , dignidade e simplicidade , conseguiu o respeito e a amizade de todos em sua cidade natal .
Gozando de popularidade e muitos amigos , eleito foi vereador a câmara municipal .
Pôr força deste mandato , estava ele em visita a capital , quando deu-se a manifestação popular .
Meio assustado , mas muito curioso , meteu-se ele no meio da multidão , sem saber direito o que acontecia .
Esperto , como todo matuto que se preza , podia não entender , mas prestava uma atenção danada .
Quando escutou falar na tal da lei seus sentidos se colocaram em alerta .
Ao voltar à pensão , onde se hospedara , procurou saber que lei era aquela , que o homem culpava pôr tanto estrago . Outro hospede da pensão , estudante de economia , prontificou-se a explicar “tin-tin pôr tin-tin “ de que se tratava .
Explicou tudo e , pôr fim , explicou também que a tal da lei valia em qualquer lugar.
O matuto , sem perder tempo , voltou no mesmo dia para sua cidade .
Logo ao chegar , reunir seus assessores e , junto a eles , elaborou projeto de lei para apresentar na sessão da câmara, no dia seguinte .
No dia da sessão , pediu a palavra:
_Estive na capital ! Confesso que voltei meio que assustado , pois o povo foi lá pra Praça Central e colocou a boca no trombone , pôr causa de uma Lei que , pôr erro de não sei quem , tá provocando um punhado de desemprego pôr lá . Fiquei sabendo também que a tal da lei vale aqui também . Pôr isso, fiz o projeto, pedindo que se revogue a “Lei da Oferta e da Procura” imediatamente!
Pôr incrível que pareça , a lei foi revogada pôr treze votos a zero !
Coisas da Política .

A VOLTA DE MARIA DAS DORES

Havia seis anos que Maria das Dores deixara o Sítio, em companhia de um turco, vendedor de panos coloridos, frascos de água-de-cheiro e colares de contas coloridas de vidro barato, que as meninas da região diziam ser a última moda lá na Capital.
Seu pai pedira para o "mascate" levá-la, pois não encontrava meio de sustentá-la, sendo "alugado" do Coronel Edmundo Borges dono das terras e de certa maneira, dono dele também, já que a conta que tinha no Armazém do Coronel, ele não conseguiria pagar, mesmo vivendo cem anos. E tinha também, o caso da filha do compadre Leôncio, a menina Joana, que enquanto o Coronel não levou para a Casa Grande, não sossegou...
Um ano depois, a menina voltou para casa, "buchuda", e o Coronel espalhou para os quatro cantos, que a menina, na época com treze anos, era "quenga"...
O compadre Leôncio, teve um ataque e foi para a terra dos "pés-juntos", por vergonha, deixando a pequena Joana como distração para os peões...
Não queria aquilo para Das Dores, por isso, resolveu entregá-la ao turco... ele cuidaria bem dela, e lá se foi Das Dores e o turco "mascate"... isso há seis anos...
O sol resolvera anunciar que o dia era perfeito...
O mormaço iniciava-se, estorricando os poucos pés de mato, que conseguiam viver naquele deserto, onde só viam o novo dia, os homens fortes e os bois valentes...
Com o sol à pino, já quase ao meio-dia, um menino de seus doze anos, chegou à porta do casebre, trazendo um telegrama ao velho "alugado".
Como o matuto não soubesse juntar as letras, pediu ao menino, que soletrasse o que dizia aquele pedaço de papel...
O menino, com dificuldade, leu o telegrama:

_"Pai, chego no trem das duas. Beijos em todos.
Das Dores."

Agradecendo ao garoto, com uma lágrima já pendurada no canto dos olhos, o "alugado" entrou em seu casebre e aos berros avisou à velha mãe, que a filha voltava, enquanto vestia sua melhor roupa e calçava suas botinas, que herdara do finado Leôncio, que Deus o tenha, e partia em carreira para a Estação, para esperar o trem, pois, sua Das Dores voltava...
Chegou ele à Estação, quando o trem começava a apontar na curva do Cemitério, junto à ponte, e já se podia ver a velha "Maria-Fumaça", entrando majestosa na linha reta que a traria à Estação...
O coração do velho pulava tanto quanto os vagões balançavam...
A mente do pai aflito fazia-lhe perguntas...
_"O que traria Das Dores de volta?"...
_"Será que estava doente?..."
Estático, permanecia o velho "alugado" na Estação, com os olhos fixos na Locomotiva e nos três vagões de passageiros, que a velha máquina teimava em puxar desde a Capital...
Finalmente o trem parou...
Descem vários peões e... Maria das Dores!...
Vestia um conjunto de brim, com saia pouco acima dos joelhos, colar de pérolas legítimas ao pescoço, e cabelos impecavelmente penteados.
Dois minutos depois, o velho "alugado", cai para trás...
O médico do Posto de Saúde, depois de examinar o ancião, deu o diagnóstico:
_"Enfarto do miocárdio... morte instantânea!"
Das Dores, desesperada, abraça-se ao companheiro de viagem, que teria ido à Capital especialmente para buscá-la.
Quando o Chefe da Estação chegou perto da cena que ali acontecia, antes mesmo de cumprimentar Das Dores, estendeu a mão ao seu companheiro e disse:
_"O que posso fazer pelo senhor, Coronel Edmundo Borges