Carlos Alberto Lopes

quinta-feira, junho 28

HOMEM DE LAMPIÃO

Já fazia mais tempo do que a memória podia lembrar que o sol estorricava aquele pedaço do chão.
O capim, outrora abundante, hoje era apenas um amontoado de bolos de fios amarelinhos, que a brisa fazia dançar no descampado , sem destino certo.
As árvores, poucas ainda em pé, eram apenas um amontoado de gravetos, ligados entre si a um tronco sem vida .
Carcaças de animais, enfeitavam o que outrora havia sido pasto aqueles mesmos animais.
Quando a noite caia, o mormaço transformava-se numa brisa gelada que doía os ossos do mais forte dos homens.
No meio de tal “fim do mundo”, só os bravos conseguiam sobreviver.
Bravos como João Baldoino, que a uns bons vinte anos morava naquele local, em uma choupana de um único cômodo, onde procurava abrigo e isolamento, que lhe permitisse dar asas as suas recordações, que o faziam voltar ao tempo de seu ontem, quando tinha o mundo no seu horizonte e ninguém à ditar-lhe regras de conduta.
O tempo da recordação era do cansaço, onde o homem podia ser livre, ser macho, ser conquistador....
Tempo em que João Baldoino atravessava as planícies, tendo como companhia seu paralelo ao ombro, a garrucha na cintura e o facão, pendurado na bainha de couro cru.
João Baldoino era homem de Virgulino Ferreira, aquele a quem apelidaram de “lampião” e deram o título de “Rei do Cangaço”.
Hoje, no entanto o tempo era outro......
O cangaço já tivera seu fim.......
Iniciara seu fim no ataque da volante ao bando de lampião, onde foram para a tal da “cidade dos pés juntos” Virgulino, Maria Bonita e um bom punhado de valentes.
João Baldoino estava lá .
Quando a coisa chegou ao fim, Baldoino tinha um bala ao ombro, um corte profundo no braço esquerdo e uma raspança de chumbo na cabeça.
Os homens da volante, o pensando morto, deixaram-no ao deleite dos abrutes.
Quando voltou a si, Baldoino estava só......
Horrorizou-se com o que viu!
Viu corpos e mais corpos de companheiros espalhados, com sangue a manchas no solo do sertão como tinta.
Os homens da volante, quando Baldoino acordou, ainda cortavam as cabeças dos mortos!
Baldoino viu o volante cortar a cabeça de Maria Bonita e desesperou-se com o horror daquela cena!
Percebeu que logo seria a sua vez e, ao descobri-lo vivo, testemunha da barbaridade que faziam pôr certo os volantes o matariam.
Quase sem poder mover-se, arrastou-se para um local seguro, longe dos soldados, e esperou.
A noite chegou e, com ela, partiu a volante.
João Baldoino, enlouquecido pela dor, adormeceu.
Ao acordar, estava na casa grande do coronel Joaquim Lourenço, amigo de longa data do compadre Virgulino.O coronel lhe deu abrigo e trabalho, e hoje Baldoino vive do recordar, pois só lhe resta a recordação dos bons tempos, quando macho era macho, liberdade tinha preço e o paralelo, ditava a força do sertão.

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