Carlos Alberto Lopes

quinta-feira, junho 28

ESTELA

O chorar manso teve início nos primeiros raios do sol,. em frente a porta central do convento das carmelitas descalças,. logo depois de alguém bater forte na porta de madeira maciça, que lá estava a bons cinqüenta anos .
As bondosas carmelitas contavam que a porta havia sido doada ao convento pôr um carpinteiro de bom coração, cuja filha única viria a ser, mais tarde, noviça do convento, onde faleceu de tifo, na década de trinta.
A porta recebe, semestralmente, banho de imersão em querosene, vinagre e cânfora ,para não sofre ação de cupins e o Juvencio, quando a porta seca do banho de imersão, lhe dá três camadas de verniz. Foi o pai do Juvencio, hoje aposentado, quem começou a cuidar da porta, que possui em alto relevo, no mais puro entalhe, a imagem de Nossa Senhora, com Jesus morto ao colo. O engraçado disso tudo, é que os anais do convento não possuem registro do nome do benfeitor, que doou a porta .
O Choro chamou a atenção de uma noviça que veio atender as fortes batidas e, quando percebeu que no cesto de vime, enrolado em cobertores, estava uma criança, foi um verdadeiro reboliço no convento, pois, nunca havia acontecido algo parecido, naquele local santificado.
A criança, uma bela menina, parecia saudável, embora esfomeada, visto que logo depois que as madres a levaram para dentro, duas mamadeira de leite de cabra, que as bondosas freiras retiraram de sua mascote , tão logo viram a bonita menina.
Pôr mais que procurassem, as freiras nunca encontraram os familiares da menina, e foi ela criada no convento.
Aos quinze anos, conhecia todos os rituais das carmelitas e estava pronta, a pequena Estela carmelita de Jesus , a se tornar uma serva de Jesus , mas este não era seu destino, pois não possuía aptidão para servir a Deus.
Era vista a cuidar do pomar do convento, com a alegria estampada no rosto, mas quando se tratava de rezas e cânticos, seu semblante mudava.
Aquela não era sua vocação, e embora nada reclamasse, seguindo os rituais com perfeição, se percebia que não sentia se bem nas coisas da religião e o tempo se passou, com as madres mais idosas adiando a iniciação de Estela.
Ao completar dezoito anos, o convento a recomendou para um trabalho voluntário no hospital da cidade, e no contato com os doentes, Estela descobriu a medicina, a vocação que Deus lhe reservara.
Aos vinte e três anos, após sete anos de trabalho voluntário e uma faculdade de medicina, Estela recebia seu diploma. Era agora uma profissional da saúde , e quando teve opção de escolha do local onde queria prestar seus serviços, optou pelo atendimento aos pobres, e lá foi a agora doutora Estela Carmelita de Jesus assumir seu posto, no recém inaugurado hospital de leprosos, num dos bairros mais retirados da cidade.
Tendo o diploma como base clinica e a vida de então, como base de humanidade e humildade, doutora Estela levou pouco tempo para ser a mais estimada e respeitada pessoa daquele hospital pois, aos doentes, se dedicada pôr inteiro e sem reservas.
Passou a ser costume seu percorrer as enfermarias, leito a leito, altas horas da madrugada, para cobrir doentes, ministrar remédios, dar palavras de conforto aos aflitos, acompanhar famílias, na hora do desencarne de entes queridos.
Foram cinqüenta e oito anos de dedicação ao hospital de leprosos...
Com oitenta e um anos, já aposentada, ainda era sua rotina visitar, nas madrugadas, as enfermarias.
Numa destas madrugadas, doutora Estela não apareceu.
Alguma coisa acontecera....
Quando médicos residentes, preocupados foram ao seu quarto, para verificar se necessitava de algo , encontraram-na caída aos pés da cama, já sem vida.
A direção do hospital foi comunicada, e seu corpo examinado.
Estela tinha o corpo coberto pôr chagas.
A lepra dominava o corpo da bondosa doutora.
As únicas partes do corpo não afetadas eram o rosto e as mãos.......
A dor que deveria sentir, segundo os médicos, era algo insuportável ao ser humano!
Os especialistas comprovaram que a lepra estava no corpo a mais de quarenta anos, e nunca ninguém escutou Estela dar um gemido, fazer uma reclamação, colocar um medicamentos no próprio corpo.
O corpo clinico do hospital financiou a construção de uma capela no próprio hospital e, abaixo do altar , foi depositado o corpo de Estela, sob a laje, foi colocada uma placa, onde se lê:

“Em memória de quem deu a vida ,
E a morte, para o bem de seu próximo!”

Todos os meses , na data da morte de Estela , o convento das carmelitas reza missa na capela em memória de Estela Carmelita de Jesus, sua filha.
Neste dia, o corpo clinico do hospital faz, anualmente, doação de duas toneladas de alimentos as pessoas mais carentes, em nome de Estela que já tornou-se nome da ala infantil do hospital.
Dizem, os funcionários do período noturno, que uma senhora toda de branco, com um aparelho de escute ao pescoço, visita as enfermarias.
Vários médicos testemunham que, vez ou outra, sem explicação, são levados a doentes terminais que nem conheciam anteriormente .
Com o correr do tempo, se tornou tão comum estes fatos, que hoje e procedimento normal atender a tais chamadas, com a mesma dedicação dos chamados oficias das enfermarias.
No convento, as coisas não são diferentes, pois as freiras relatam que e comum verem Estela, cuidando do pomar ou adubando o roseiral.
Quem explica?

Nenhum comentário: